quinta-feira, 7 de dezembro de 2023


07 DE DEZEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

ATENÇÃO ÀS FRONTEIRAS

Os vultosos valores movimentados demonstram que o esquema de contrabando de grãos e agrotóxicos da Argentina para o Brasil desarticulado na terça-feira pela Polícia Federal (PF) estava muito distante do rotineiro comércio ilegal de mercadorias que ocorre pelas fronteiras porosas do país. As investigações indicam que, nos últimos cinco anos, o grupo alvo da PF transacionou de forma irregular cerca de R$ 3,5 bilhões, usando portos clandestinos no Rio Uruguai localizados em cidades do noroeste gaúcho e da margem argentina.

Os números da Operação Dangerous e Paschoal falam por si. Após dar início às investigações no ano passado, a PF mobilizou 200 agentes para cumprir 59 mandados de busca e apreensão e 16 de prisão em 15 municípios, em especial no Estado, mas também em Santa Catarina, São Paulo, Tocantins e Maranhão. Foram bloqueados R$ 58 milhões em contas bancárias e apreendidos R$ 3,6 milhões em bens, incluindo um avião. No total, são 60 pessoas investigadas.

A travessia de grãos em embarcações, principalmente de soja, era realizada à luz do dia. Foi duas vezes flagrada por reportagens do Grupo RBS. Em outubro do ano passado, o repórter Giovani Grizotti mostrou o caso no RBS Notícias e no Jornal Nacional. Em setembro último, novo trabalho do repórter Humberto Trezzi, do Grupo de Investigação (GDI) da RBS, constatou o movimento de transporte dos dois lados da fronteira e descobriu que o grupo criou toda uma infraestrutura voltada a facilitar a logística do contrabando. Estava chegando a hora, portanto, de pôr um fim a essa prática.

As apurações da PF expõem a sofisticação do esquema. Além dos operadores dos portos irregulares, existiam os beneficiários e revendedores das mercadorias e os agentes financeiros. Doleiros eram usados em transações cambiais à margem do sistema legal para pagamentos no Exterior e evasão de divisas, inclusive com aquisições bilionárias de criptoativos. Documentações fraudadas, como notas de produtores rurais adquiridas de terceiros, eram usadas para dar ar de legalidade aos produtos contrabandeados. Com tudo descoberto e prisões feitas, a operação deve ainda ter o efeito pedagógico de inibir transgressões semelhantes.

A grande motivação do contrabando é a taxação imposta pelo governo argentino nos últimos anos para a exportações de grãos. Assim, se torna mais lucrativo fazer o comércio irregular com operadores do lado brasileiro. Além de a transação ser ilegal, há risco sanitário pelo ingresso no país de produtos agropecuários sem a devida inspeção. Lavouras podem ser contaminadas por pragas hoje aqui inexistentes. É mais uma razão para apertar o cerco contra práticas do gênero.

Interceptações da PF revelaram ainda a troca de mensagens entre dois envolvidos presos ontem. Os homens trataram da possibilidade de matar Grizotti devido às reportagens. Espera-se que essa trama também seja elucidada. Intenções do gênero, mesmo que muitas vezes se limitem a ameaças, são tentativas de intimidar a imprensa. O jornalismo tem como uma das mais nobres missões produzir reportagens investigativas que alertem a sociedade e autoridades sobre crimes e malfeitos.

Mas também cumpre chamar atenção para o fato de a operação da PF outra vez mostrar a vulnerabilidade das fronteiras do país, por onde ingressam drogas e armamento pesado. No mês passado, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado anunciou a criação de uma delegacia especializada na investigação de tráfico de armas e foi lembrado que os arsenais, muitas vezes, chegam ao Rio Grande do Sul via Argentina e Uruguai. 

Também no início de novembro, a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) determinada pelo governo federal reforçou a fiscalização das Forças Armadas nas regiões de fronteira no Paraná, em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Seria conveniente se as autoridades encontrassem formas de tornar as regiões de fronteira com países vizinhos no Estado menos suscetíveis ao contrabando e ao tráfico.

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