Quando a natureza ajoelhou um Estado
Próximo do encerramento, 2023 ficará para a história como o ano em que a natureza colocou o RS de joelhos. A frase é do deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS) e foi dita durante uma reunião na Federasul, quinta-feira passada. Diferentemente de outras atividades deste tipo, o encontro, dividido em duas etapas - uma para grandes empresas, outra para as menores -, foi a condução do processo, liderado pelo presidente da entidade, Rodrigo Sousa Costa, que de maneira objetiva, assim como já feito em setembro, conseguiu agilizar a coleta de informações para embasar articulações capazes de gerar resultados. É esse o papel bem desempenhado por esse tipo de entidade que detém canais de influência positiva, seja na sociedade civil ou no campo político.
A coluna acompanhou os relatos de pelo menos 10 empresas que apresentaram prejuízos milionários e dificuldades de acesso a recurso e financiamentos disponibilizados ainda por ocasião dos primeiros estragos gerados pela chuva e pelas enchentes dos rios, em setembro.
Agora, uma segunda onda aprofundou os prejuízos. Há dois pontos de convergência entre as preocupações externadas por empresários: o que fazer para manter os empregos, milhares deles, e como se preparar para conviver com a nova realidade climática que chegou para ficar.
O problema é que sem pressão - como a que faz nesse momento a Federasul, capitaneando soluções desde a liberação de seguros até a necessidade de se encontrar caminhos jurídicos para créditos tributários pertencentes a algumas das empresas afetadas - uma ponta solta deverá permanecer sem dar a sustentação que a temática mereceria: os recursos para prevenção de desastres.
Vale lembrar que, há 10 anos, o orçamento previa R$ 11,5 bilhões para essa finalidade. Em 2023, foi fixada em R$ 1,2 bilhão, ou seja, uma redução de 89,5% que tende a continuar. Isso porque nas discussões da distribuição de recursos para 2024, até agora, prevê-se um corte de quase 25% no próximo ano.
Por outro lado, o Congresso e o governo buscam fontes para elevar o fundo eleitoral e as pedidas para emendas parlamentares individuais e de bancadas já estão em R$ 40 bilhões. É triste, mas via de regra são as prioridades orçamentárias de hoje que acabam por antecipar o amanhã de um país.
RESPOSTAS CAPITAIS
André Salata Coordenador do PUCRS Data Social
"País não amenizou crise social em 2021"
Estudo coordenado por André Salata, da PUCRS Data Social, aponta que a taxa de pobreza no Brasil aumentou 4,6 pontos percentuais entre 2020 e 2021. Desses, 3,4 pontos podem ser atribuídos a variações nas políticas de auxílio e à interrupção dos pagamentos no início de 2021.
O que o estudo revela?
É precioso separar o primeiro ano (2020) e o segundo (2021) da pandemia. Em 2020, houve choque gigante no mercado de trabalho, com forte queda na renda e entre os mais pobres. Para as pessoas que estão na base da pirâmide, essa queda considerável jogou a desigualdade para cima e fez a pobreza explodir no país. Em 2020, criou-se um auxílio emergencial turbinado, com R$ 50 bilhões mensais para 68 milhões de famílias. E isso mais do que compensou a diminuição da renda do trabalho.
Então por que isso falhou?
Apesar do desenho e da rapidez, o auxílio emergencial funcionou como contrapeso para o trabalho. Só que no segundo ano (em 2021) os fatores se invertem. A renda do trabalho dos mais pobres subiu e o mercado de trabalho reagiu. Em 2021, a vacinação começou e foi o que garantiu a recuperação do mercado de trabalho. Nesse ano, a renda do trabalho funcionou para reduzir a desigualdade e a pobreza. Só que, nesse momento, o governo se precipitou e interrompeu o repasse do auxílio por três meses para retomá-lo, mais tarde, com valores e coberturas menores.
Qual foi o efeito?
O contrapeso passou a ser negativo para a renda do trabalho. Essas mudanças puxaram a pobreza e estabeleceram o pior momento da série histórica, o que ampliou a desigualdade. Resumindo: o pior da crise social ocorreu em 2021 em razão dessa medida. O que mais explica esse salto de pobreza e desigualdade no Brasil da pandemia foi a decisão de interromper o pagamento do auxílio, por uma leitura equivocada de que tudo já havia passado, mesmo que sequer tivesse começado o esquema de vacinação. A aposta feita foi a de que o mercado de trabalho poderia dar conta sozinho da recuperação. Ao invés de uma transição gradual, no formato das transferências, capaz de conduzir a volta gradual ao formato e aos valores do Bolsa Família, a gente interrompeu por três meses o pagamento.
O resultado: as pessoas voltaram ao Bolsa Família, que é um programa menor do que era o Auxílio Emergencial, e as que não eram do Bolsa Família ficaram completamente desassistidas. Foi uma leitura muito equivocada da dinâmica da pandemia. A principal consequência foi gerar o ápice da crise social. Em 2020, os indicadores sociais não pioraram tanto. A pobreza se manteve, a desigualdade chegou até a cair. Já em 2021, a gente teve o ápice da crise, com imagens de pessoas em filas para pegar restos de comida. Essas pessoas foram o custo humanitário do equívoco, pois ficaram desassistidas.
O que foi feito, então, em 2022?
O que aconteceu, em 2022, é de que duas forças atuaram: a vacinação em massa e o mercado de trabalho com mais pujança e segurança sanitária. Ao mesmo tempo, era um ano eleitoral que acabou por turbinar os programas de transferência de renda. E o que foi feito em 2021 é algo completamente fora da curva. Se separa os dados por trimestres, a gente vê que o primeiro de 2021 é crítico, pois é o que demarca a decisão mais drástica de cortar completamente o auxílio. Se não tivesse essa decisão, a crise social teria sido muito mais amena.
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