31 DE JANEIRO DE 2023
NOSTALGIA
Câmera digital agora é vintage
Estilo "retrô" é o principal diferencial apontado pelos novos usuários desses dispositivos, antes tratados como obsoletos
Pequenas, coloridas, com mais memória e uma tela que já possibilitava ver a fotografia de forma instantânea. As câmeras digitais amadoras marcaram toda uma geração nos anos 2000 pela praticidade, mas logo foram ofuscadas pelo "boom" dos smartphones. Duas décadas depois, elas estão de volta: alguns jovens estão deixando o celular em segundo plano para reviver os dispositivos com os quais tiveram contato apenas na infância.
Nas últimas semanas, os antigos aparelhos têm gerado interesse e feito jovens pesquisar na internet pelo assunto. Mas esses dispositivos voltaram a ser febre ainda em 2022 - quando começaram a ser vistos com maior frequência em festas e bares, por exemplo.
Um dos novos usuários dessas câmeras é o cineasta e designer Gabriel Ritter, 26 anos, que recentemente ganhou de um amigo uma Canon IXY. Morador de Porto Alegre, ele destaca uma curiosidade importante: a maioria das pessoas se refere a este tipo de dispositivo como "Cybershot", mesmo que o nome seja apenas do modelo comercializado pela Sony.
Resgate
Ritter conta que já vinha notando que algumas pessoas estavam resgatando essas câmeras para registrar momentos em festas e bares no início de 2022. Formado em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele relata que se aproximou novamente desses equipamentos durante as atividades de experimentação na faculdade, quando um colega levou uma Cybershot e começou a compartilhar com todos os resultados:
- Ela é muito mais prática, porque é menor e ainda é digital, então tira as fotos e transfere via cabo para o computador.
O fotógrafo e técnico do Laboratório de Fotografia da Universidade Feevale Diogo Mascarenhas aponta que percebeu o movimento de retorno das digitais pelas redes sociais. Ele comenta que é comum que as pessoas procurem recuperar a cultura de uma determinada época, utilizando itens e ferramentas que produzam os mesmos efeitos - isso foi visto em outros momentos, inclusive, com breves retornos da fotografia analógica, que vem se tornando pouco viável em razão do preço dos processos.
E foi justamente a estética vintage das fotos que chamou a atenção de Ritter, que resolveu aderir à moda e buscar uma câmera digital para sua festa de despedida, realizada na último dia 20, antes de sua mudança para Sydney, na Austrália.
Para Ritter, a principal diferença é a definição da imagem, que é inferior àquela proporcionada pelos smartphones atuais. Além disso, aponta que os dispositivos antigos não oferecem tantas opções para controlar a luz das fotos, por exemplo, o que, na opinião do cineasta, garante um resultado mais espontâneo. E ele também destaca a nostalgia pelo equipamento.
A percepção de Ritter é corroborada por Mascarenhas, que esclarece que o smartphone possui maior tecnologia embarcada, produzindo um resultado mais padronizado, em razão da qualidade do software.
- Acho que é essa estética mais crua que está sendo buscada neste momento. Mas acredito que tenha poucas chances de ficar por muito tempo como um movimento popular, até porque introduz uma etapa entre fotografar e postar. Mesmo assim, vale por ser um recurso barato, que muita gente ainda tem em casa esquecido - diz o fotógrafo.
Procura
Proprietário do Bric Fotográfico, estabelecimento localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, Evaldir Garcia do Canto aponta que a procura pelas câmeras digitais não aumentou significativamente no último ano, mas garante que vende uma ou duas por mês.
Atualmente, estima ter cerca 50 unidades de diferentes marcas e modelos para comercializar - os valores dessas máquinas variam entre R$ 350 e R$ 550.
Na avaliação de Evaldir, que trabalha neste ramo desde 1979 e é mais conhecido como Didi, a chegada dos smartphones "matou" esse modelo de câmera:
- Essas digitais eram boas câmeras, muito famosas. Todo mundo comprava, mas o que acontece é que todo mundo quer vender agora. Elas tiveram uma fama muito grande, mas as coisas mudaram. Agora, a procura é baixa.
Em março do ano passado, Cândida Vitória Martins, 21 anos, recuperou uma câmera que era usada por seus pais durante sua infância. A estudante de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) encontrou o dispositivo guardado em uma caixa e levou até o Bric Fotográfico para consertar.
- Ela estava em perfeito estado, a única coisa que não funcionava era a bateria, então só trocaram e deu tudo certo, funcionou superbem. Decidi usar justamente por ser uma câmera antiga e pensei que seria diferente da câmera da Canon (profissional) que tenho agora e do celular - conta.
Moradora da Capital, ela explica que usa a câmera em festas e para fotografar aniversários de amigos. Também afirma que gosta muito do resultado, justamente por não conseguir controlá-lo:
- Gosto desse conceito da câmera ser antiga e registrar as fotos desse jeito mesmo.
A experiência de Carlos Iuri Simoni de Souza, 20 anos, com uma câmera digital começou em novembro de 2021. O estudante de Design Gráfico na UniRitter e morador de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, relata que decidiu comprar um modelo em um site de itens usados porque sempre foi fascinado pela estética vintage dos anos 2000. Para ele, a Cybershot abre uma porta para esse universo e é uma opção mais acessível, em comparação com as câmeras analógicas.
Ele comenta que prefere utilizar o dispositivo no lugar do celular justamente para se desconectar um pouco.
- Estamos vivendo em uma era do imediatismo, tudo é para ontem, e eu acho muito legal que eu saio com meus amigos com a câmera e tiramos as fotos, nos divertimos e não ficamos vendo o resultado na hora. Isso que é o mais bacana: ter aquela surpresa das fotos, todas saem muito diferentes umas das outras. E eu gosto muito do resultado - ressalta.
Ele acrescenta que a câmera digital não gera uma foto perfeita, permite registrar a espontaneidade das pessoas e traz uma certa memória afetiva, já que era utilizada por seus pais antigamente.
JHULLY COSTA
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