quarta-feira, 11 de janeiro de 2023


Trabalhar é uma baita história

Entre desafios do mercado, três artistas gaúchos contam como é preciso ter criatividade para viver da arte das HQs

- A gente nunca deixou o lado financeiro guiar as nossas decisões. E acho que as pessoas não deviam deixar, porque não é o mais importante. Você não vai fazer quadrinhos para ganhar dinheiro - diz Gabriel Bá, no começo da série documental Vou Viver de HQ, do Globoplay.

Na produção, que conta a trajetória de Bá e de seu irmão gêmeo, Fábio Moon, ambos quadrinistas, a dupla defende que quem quiser entrar para o mundo das HQs deve embarcar na aventura por acreditar na linguagem e, principalmente, por ter histórias para contar.

Foi justamente por estes motivos que os artistas gaúchos Cris Peter, Pablito Aguiar e Denilson Reis mergulharam no universo das histórias que são contadas por meio de quadrinhos desenhados. Cada um se destacou em sua respectiva área, seja trabalhando para as grandes editoras mundiais, fazendo quadrinhos com histórias locais ou criando aventuras independentes em fanzines.

Desta turma, Pablito Aguiar é o mais jovem. Com 34 anos, ele começou a mergulhar nas HQs já adulto. Foi somente quando atuava como diagramador, ilustrador e chargista no jornal A Semana, de Alvorada, em 2016, que tomou coragem e ofereceu um projeto não remunerado: entrevistar pessoas da cidade e transformar em quadrinhos para a publicação.

Não demorou para que se destacasse. Usando as redes sociais, passou a divulgar seu trabalho, e os convites foram aparecendo. Um dos principais foi para a revista Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo. Dentro do projeto Fala Que Eu Desenho, Pablito contou a história de uma amizade entre vizinhos que nasceu durante a pandemia e acabou virando matéria no Fantástico. Recentemente, realizou uma atividade com Eliane Brum, em que foi até a casa da jornalista, em Altamira, no Pará. Da conversa, nasceu Almoço (Arquipélago, 80 páginas), livro que conta, em quadrinhos, como foi o encontro.

- Hoje em dia, vivo de quadrinhos. Só não pode parar no meio. Tem que seguir, praticar e amar. E esse é um produto democrático, que atende a todas as idades e vejo com bastante abertura. A Arquipélago, por exemplo, nunca tinha editado quadrinhos e, agora, se abriu para isso. O Almoço foi o primeiro e o título que mais vendeu na banca deles na última Feira do Livro - destaca Pablito.

Pioneiros

Foi depois de uma sessão de cinema de Conan - O Bárbaro, nos anos 1980, que o jovem cinéfilo Denilson Reis ficou fascinado com um mundo fantástico. O herói vivido por Arnold Schwarzenegger, então, virou o seu assunto favorito, até que um amigo lhe apresentou uma história em quadrinhos do personagem. Foi aí que ele teve a primeira imersão e, dela, nunca mais saiu.

Não demorou para que Denilson estivesse pronto para embarcar em seu projeto próprio, em 1987: o Tchê, fazendo referência ao apelido recebido por ele pelos amigos do Nordeste.

- O Tchê é o fanzine mais antigo em circulação no Brasil. Já são 35 anos de produção. Os fanzines chegaram na minha vida antes do meu casamento, dos meus filhos, da faculdade, da minha profissão - conta Denilson, de 54 anos, professor de História.

Mesmo tendo sonhado, em alguns momentos, com viver de histórias em quadrinho e trabalhar em grandes estúdios, Denilson comemora conseguir, atualmente, fazer de sua paixão um negócio autossustentável. Não dá lucro, mas paga os seus próprios custos.

Hoje, ele e o amigo Paulo Kobielski comandam o Coletivo Alvoradense de Quadrinhos, que caminha para se tornar um selo editorial. Eles editam trabalhos de artistas independentes, com a intenção de fomentar o mundo das histórias em quadrinhos, para que pessoas que sonham em entrar neste mundo possam encontrar uma porta aberta.

Atuar nos quadrinhos da Marvel e da DC Comics é o sonho da maioria dos artistas da área. Quem conseguiu chegar até eles foi Cris Peter, que atua como colorista e já assinou produções de heróis como X-Men, Capitão América, Superman, Supergirl.

Aos 39 anos, Cris tem um vasto currículo, que começou a ser preenchido quando ela tinha apenas 22 - já atuou com Gabriel Bá, em 2012, como responsável por colorir a série em quadrinhos Casanova, que o brasileiro desenhou em cima do roteiro de Matt Fraction. Pelo trabalho, tornou-se a primeira brasileira a ser indicada para o Eisner Award - o Oscar das HQs.

A sua trajetória começou no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), fazendo curso de histórias em quadrinhos. Porém, logo descobriu que preferia ainda mais colorir.

Em 2013, já conseguia pagar as suas contas somente com o dinheiro conquistado de seu trabalho de colorista, logo após a indicação ao Eisner abrir as portas junto ao universo das HQs gringas. Porém, depois de já ter feito de tudo um pouco, já pensa em desacelerar e focar em outras áreas. Por isso, criou uma campanha de financiamento coletivo.

- Também quero fazer os meus projetos próprios, quero escrever - destaca ela. - O Denilson e o Pablito, por exemplo, estão em um caminho que é muito mais desafiador, que é justamente o caminho do quadrinho autoral. E é o que eu gostaria de fazer.

cARLOS REDEL 

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