26/01/2023 - 16h23min
Fabrício Carpinejar
Onze milagres
São onze endereços tombados pela paixão do público, cartões postais da família, pontos de encontro de três gerações. Fui ver quais restaurantes de Porto Alegre são mais velhos do que eu.
Encontrei onze com mais de
cinquenta anos:
Gambrinus, 1889
Naval, 1907
Chalé da Praca XV, 1911
Churrascaria Santo Antônio, 1935
Bar Tuim, 1941
Café Alfredo, 1955
Rocks, 1964
Walter, 1965
Komka Churrascaria e Galeteria,
1967
Barranco, 1969
Pampulhinha, 1971
Conheço um por um. Mais do que
conhecer, frequento os estabelecimentos desde pequeno. Seus proprietários me
viram crescer, acompanhando integralmente as fases da minha formação: criança,
adolescente, universitário, formado, trabalhando, casado, com filhos.
Não preciso receber o cardápio.
Eles me servem telepaticamente pelo olhar. É estranho e emocionante pensar que
eles testemunharam os meus mais diferentes estilos, as cascas da minha
metamorfose, do guaraná até a cerveja, da cabeça de penugem de bebê até a
careca de adulto, da cadeirinha alta até a cadeira de cabeceira daquele que
paga a conta.
Não tenho o que esconder. Entrar
pelas suas portas é o equivalente a me ajoelhar num confessionário. Alguns garçons são os mesmos da minha
infância. De minhas babás, viraram conselheiros amorosos e padrinhos do meu
apetite.
Não preciso receber o cardápio.
Eles me servem telepaticamente pelo olhar. Nosso silêncio é ensaiado. Sequer
posso pedir algo diferente. É o lombinho com queijo do Barranco, é a salsicha
Bock com queijo da cozinha alemã do Walter, é o a la minuta acebolado do
Alfredo, é a dobradinha do Naval, é o peixe do Gambrinus, é o filé ao alho e
óleo do Santo Antônio, é o camarão à milanesa com arroz à grega do Pampulhinha,
é a almôndega do Tuim, é o entrecôte com molho de mostarda do Chalé, é o
bolinho de aipim recheado com carne seca e requeijão do Rock’s, é o xixo do
Komka.
Trata-se de um time de onze
restaurantes heroicos, resilientes e épicos. Meu time dos sonhos.
Onze lugares acompanhando namoros
que se transformam em matrimônios, celebrando amizades com as bolachas de chopp
e cantando os aniversários de seus clientes. Onze milagres que não sucumbiram
nem com as portas fechadas da pandemia. Onze fortalezas da teimosia com mais de
meio século de anedotas e casos. Para uma capital que tem 250 anos,
correspondem a uma grande média de preservação histórica.
São onze endereços tombados pela
paixão do público, cartões postais da família, pontos de encontro de três
gerações. São onze casas que jamais deixaram de atender com qualidade, não
importando a carestia ou a bonança dos governos. Sobreviveram ao Milagre
Econômico, ao Plano Nacional de Desenvolvimento, ao Plano Cruzado e fiscais do
Sarney, ao Plano Collor de confisco da poupança, ao Plano Real.
Adaptaram-se aos tempos bicudos,
acolheram as personalidades e bichos das cédulas, migraram das velhas caixas
registradoras ao Pix. Em suas mesas, passamos pelo regime militar, pelas
Diretas Já, pela redemocratização do país, pelo impeachment de dois
presidentes, pela polarização política. Eu queria agradecer a cada um deles.
Eles têm toda a minha vida.
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