21 DE JANEIRO DE 2023
INFRAESTRUTURA
32 mil metros de progresso
47 municípios do RS sofrem com falta de acesso asfáltico. Governo estadual promete concluir ao menos 80% dos trechos até 2026
Itacurubi é uma cidade em obras. Com R$ 19 milhões em investimentos públicos, o município de 3.456 habitantes do Noroeste aos poucos vai se modernizando. A avenida principal foi asfaltada, as ruas secundárias estão ganhando calçamento, há casas populares sendo construídas e a unidade básica de saúde está em reformas.
Tantas melhorias não seriam possíveis se, há 10 anos, a cidade não recebesse o tão esperado acesso asfáltico. Na época, foram pavimentados 98% dos 32,3 quilômetros que separam Itacurubi do entroncamento com a RS-168. Uma disputa judicial em torno da desapropriação de um imóvel sobre o leito da estrada impediu o asfaltamento de um trecho de 600 metros, o que só veio a ocorrer em abril de 2021.
Brizola
Em perfeito estado de conservação, mas desprovida de acostamento, a cobertura de asfalto sobre a RS-541 encurtou tempos de deslocamento, barateou o custo de fretes, seduziu investidores e atraiu turistas para o lugar onde Leonel Brizola se casou, João Goulart criava gado e o líder federalista Gumercindo Saraiva foi sepultado. A distância de 512 quilômetros até Porto Alegre ainda assusta, mas agora há empresas novas e otimismo.
- A estrada está feita, e o desenvolvimento começa a chegar. Para mim, as três melhores coisas da vida são chuveiro quente, ar condicionado e asfalto - diverte- se a chefe do escritório local da Emater, Ana Cláudia Rocha.
Conforme a servidora, o impacto se deu sobretudo na produção primária, diretamente beneficiada. Nos últimos cinco anos, o cultivo de soja dobrou, passando de 14 mil hectares em 2017 para 27,4 mil em 2023. As terras se valorizaram, com o valor unitário do hectare saltando de R$ 20 mil para R$ 50 mil. Tanta pujança se refletiu na economia. O orçamento do município, de R$ 18 milhões em 2019, está em R$ 32,9 milhões este ano.
- Itacurubi estava esquecida. No momento em que o asfalto foi feito, criou confiança, carinho, prosperidade. Economicamente, nos deu evolução muito grande. Nos levou a ser o sétimo município que mais cresce em arrecadação de ICMS no Estado - afirma o prefeito Gelso Soares (PDT), citando aumento de 18,26% nos repasses em relação ao ano passado.
Ex-vereador e produtor de soja, Carlos Ribeiro, o Manduca, lembra das agruras na época em que a cidade não tinha acesso asfáltico. Segundo Manduca, cada caminhão demorava um dia para levar uma carga até a cidade vizinha de Unistalda, um percurso de 39 quilômetros de chão batido. Hoje, esse tempo é de uma hora e meia.
- Quando não tinha asfalto, o cara de fora só vinha a Itacurubi por necessidade - diz Manduca.
Para o comerciante e servidor dos Correios Márcio Silva de Souza, a falta de asfalto resultou em tragédia. Em 2020, o sócio e irmão Délcio Souza foi buscar uma ferramenta numa propriedade a cinco quilômetros da cidade. Na volta, se acidentou após percorrer desvio de chão batido no trecho em que a desapropriação atrasou a pavimentação de 600 metros da RS-541.
Ao retornar ao asfalto, Délcio teve o carro colhido por caminhoneiro que não conhecia o desvio e cruzou reto. Socorrido, faleceu a caminho do hospital. Dono do principal restaurante do município, tinha 33 anos, era casado e pai de um menino de um ano.
- Cada vez que cruzo ali, penso que, se a obra estivesse pronta, não tinha acontecido - lamenta Márcio.
Técnico de enfermagem há 18 anos em posto de saúde de Itacurubi, Paulo dos Santos ajudou no socorro de Délcio. E lembra que deslocamentos até o hospital de Santiago, a 60 quilômetros, teve o tempo reduzido de 1h20min para meia hora. Antes, muitas vezes ele teve de parar a viagem para trocar o pneu da ambulância:
- Tinha de ser muito rápido, mas sem descuidar do paciente. Era um olho nele e outro no pneu.
Há um quarto de século, os moradores de 47 municípios do Rio Grande do Sul comem poeira e atolam os pés no barro enquanto aguardam o cumprimento de promessas governamentais. Sem acesso asfáltico, esse contingente formado por 145 mil gaúchos paga mais caro pelo que consome e vende mais barato o que produz, numa contabilidade perversa que atrasa o desenvolvimento social e econômico.
A espera remonta ao final do governo Antonio Britto (1995-1998), quando todos os acessos sem pavimento do Estado foram licitados. Vários municípios chegaram a assistir o começo das obras, porém a escassez de recursos e as sucessivas mudanças de prioridades nas demais gestões legou uma profusão de estradas esburacadas, projetos defasados e imbróglios jurídicos com empreiteiras que faliram, deixaram o RS ou perderam o interesse nos contratos.
Reempossado em 11 de janeiro após ocupar o cargo durante quase todo o primeiro mandato de Eduardo Leite, o secretário estadual de Transportes e Logística, Juvir Costella, assegura que, até o final da atual gestão, todos os trechos sem pavimentação estarão prontos ou em fase de conclusão. São 703 quilômetros de chão batido, cuja cobertura asfáltica custaria, numa projeção preliminar, R$ 1,8 bilhão. O montante equivale quase ao dobro do que investiram, somados, os três últimos governadores (Tarso Genro, José Ivo Sartori e Eduardo Leite).
- Eu acredito e é meta chegarmos ao final de 2026 com, no mínimo, 80% desses acessos concluídos. Os outros 20%, se não estiverem totalmente concluídos, têm de estar em obras - diz Costella (leia entrevista na terceira página desta reportagem).
Os 47 acessos foram divididos em três blocos pela Secretaria de Transportes, conforme o estágio de cada empreendimento.
Neles, há desde um trecho de menos de um quilômetro, em São José do Inhacorá, até os quase 60 mil metros que separam Garruchos da BR-285. Atualmente, há 17 acessos em obras, totalizando 228 quilômetros.
Há ainda outros 12 municípios em que o governo pretende destravar a pavimentação em breve. Destes, sete estão sendo licitados novamente e outros cinco estão com os projetos em fase final de ajuste.
Permuta
O desafio maior está no terceiro lote, composto por metade do espólio de estradas de terra. São 353 quilômetros divididos entre 18 cidades. Nesse bloco, está Garruchos, cujo custo é estimado em R$ 130 milhões.
Para levar a cabo o asfaltamento, o governo aposta num entendimento jurídico adotado pela Procuradoria-Geral do Estado desde 2021 e que permite o repasse do contrato a outra empresa, sem necessidade de nova licitação. A iniciativa deve ser adotada em sete dos 18 municípios do bloco.
Em Garruchos, o Piratini pretende adotar modelo de negociação pelo qual o Estado permuta patrimônio público por novos empreendimentos.
Já há conversas com o grupo empresarial Carpenedo, de Santa Rosa, interessado em assumir obra para receber em troca áreas públicas do Estado na região.
- Este tipo de permuta já está consolidado no Estado. É importante porque agiliza o processo. O acesso é uma obra de cunho social. Não tem como o município se desenvolver sem asfalto - afirma o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino.
FÁBIO SCHAFFNER
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