14 DE JANEIRO DE 2023
JANEIRO BRANCO
O JANEIRO BRANCO
SINTOMAS EM IDOSOS COSTUMAM SER FALTA DE VONTADE PARA REALIZAR ATIVIDADES ANTES CONSIDERADAS PRAZEROSAS, DIMINUIÇÃO NAS INTERAÇÕES, PROSTRAÇÃO E ISOLAMENTO
Depressão não é normal na velhice. Ultrapassar a marca dos 60 anos e enfrentar as décadas seguintes com parcas condições emocionais não se trata de veredicto pré-definido. Reforçar a vigilância para as questões de saúde mental, tema que mobiliza profissionais de saúde da área no Janeiro Branco - campanha direcionada à população em geral, de todas as faixas etárias -, é fundamental para idosos e todos aqueles que convivem ao redor.
Médica geriatra do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Fernanda Cocolichio, especialista em neuropsiquiatria geriátrica, afirma que a depressão é o quadro mais comum nessa área entre pacientes mais velhos. A apresentação da doença pode se dar de forma diferente em relação a pacientes de outras idades, o que se torna um obstáculo para familiares para desconfiar do que está se passando, até a mobilização em busca de suporte especializado. Nos idosos, salienta Fernanda, a depressão não apresenta, necessariamente, o humor deprimido, a tristeza profunda, o que contribuiu para o subdiagnóstico da doença.
Os sinais podem incluir esquecimentos - o que leva familiares a desconfiarem de demência -, movimentos executados em velocidade mais lenta, falta de vontade para realizar atividades antes consideradas prazerosas, diminuição das interações com outras pessoas, quietude, prostração, isolamento. Como o idoso não é tão estimulado, passa a não conseguir mais fazer coisas que antes tocava sem dificuldade, como pagar contas, organizar medicamentos, andar sozinho na rua devido ao medo.
- A depressão é mais comum na terceira idade em comparação com outras faixas etárias. "Ah, ele está assim porque está velho." O envelhecimento saudável, normal, não traz a depressão como algo obrigatório. Tem coisas relacionadas à velhice que fazem com que a depressão seja mais comum nessa fase, como agravamento de doenças, aposentadoria, solidão, luto por amigos e parentes, falta de propósito - descreve Fernanda.
A idade cronológica, observa a médica do HCPA, para o geriatra, não tem um peso tão grande na avaliação. As informações mais importantes quando se conhece e trata o paciente idoso é saber de suas capacidades para se manter autônomo no cotidiano.
- Pode haver um pouco mais de dificuldade no aprendizado, lentificação para realizar uma tarefa, mas o normal é conseguir executá-la de forma independente. Tem que investigar o que está por trás da perda de capacidade: depressão, ansiedade, demência. Às vezes, a depressão é o primeiro sintoma de um quadro demencial, e se perde o timing por achar que é normal na velhice. Faz diferença ter um geriatra acompanhando - acrescenta Fernanda.
Envelhecer também pode motivar longas e profundas reflexões sobre o passado, quando o indivíduo fica remoendo decisões, escolhas, oportunidades perdidas, rumos que a vida tomou ao longo das décadas. Encaminhar-se para a finitude descortina esses pensamentos, comenta a geriatra, mas isso não pode ser paralisante. Em qualquer momento da existência, é possível estabelecer metas, ressignificando o passar dos dias.
- Acumularam-se, com os anos, coisas boas e erros. Os idosos refletem mais sobre isso. Tento reforçar que enxerguem o lado bom de tudo isso: o legado deixado, as pessoas que colocaram no mundo, o que foi legal na trajetória. Aos 30 e poucos anos, também vou olhar para trás e pensar nas coisas que fiz errado - diz a médica. - Temos uma cultura antienvelhecimento, como se essa fase da vida fosse associada apenas a perdas e incapacidades. Temos que assumir o protagonismo do nosso envelhecimento. Pode ser uma fase muito boa. Não devemos nos comparar aos jovens, são períodos diferentes - salienta.
- Envelhecer com qualidade
Enfrentar a velhice requer planejamento antecipado, sempre que possível. Não se trata apenas de garantir renda suficiente após a aposentadoria, mas também de fazer uma "poupança" de afetos, mantendo vínculos ativos e saudáveis com outras pessoas, estar presente na vida de quem se ama. Cuidar do corpo e da mente desde cedo é investimento para as décadas de idade mais avançada. Leitura e prática de atividade física são essenciais.
No consultório particular e no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, o psiquiatra Alfredo Cataldo Neto depara com esses e outros temores dos pacientes: a demência, o enlouquecimento, a solidão, o medo da morte - especialmente, durante a pandemia, quando os idosos foram os mais atingidos, pela privação do contato presencial e também como vítimas fatais - e da perda da autonomia. Transformar-se em um fardo, especialmente para os filhos, é o tormento de grande parcela dos pacientes.
- Depender dos filhos pode ser humilhante. "Quem é esse guri de quem eu troquei as fraldas e agora acha que pode mandar em mim?" Há uma inversão de comando. Tem pessoas que aceitam ajuda com facilidade e tem os durões - comenta Cataldo. - Conflitos com filhos são muito comuns. Com netos, geralmente é uma doce relação. Os avós são mais afetivos, mais dóceis, até porque se deram conta de que erraram com os filhos, e aí, quando vem a geração nova, eles procuram corrigir. Isso pode provocar inveja nos filhos: "Como é que era tão durão e agora está todo bonzinho?" A relação entre netos e avós é um grande suporte emocional - complementa o psiquiatra.
A decisão de buscar ajuda profissional para cuidar da saúde mental ainda bate em uma barreira que, apesar de ter se desgastado com o tempo, ainda resiste: associar a atuação de psiquiatras e psicólogos à loucura. O estigma vigora mais, justamente, entre idosos, que muitas vezes são auxiliados por filhos ou netos que, eles próprios, contam com o acompanhamento de terapeutas e garantem que a medida é benéfica, encorajando o comparecimento às sessões.
Filhos e netos podem se voluntariar para acompanhar o idoso até o consultório do terapeuta ou do médico de referência, mas sem imposições. A escolha de um tratamento psicológico ou psiquiátrico deve derivar de conversas em que o paciente também é ouvido e considerado. Especialistas que atendem idosos sabem como lidar com eventuais resistências.
- A proposta da terapia é ter um espaço para falar para nós mesmos e para uma pessoa neutra, que vai nos respeitar, nos escutar, fazer com que possamos nos compreender. A pior coisa que existe é a não compreensão. É um sintoma da doença mental: eu tenho que fazer algo e não entendo o porquê - explica o psiquiatra.
Aos estudantes para quem leciona na Escola de Medicina da instituição, Cataldo sempre ressalta a importância da saúde psicológica para o bom funcionamento de todo o organismo e, de modo geral, da vida.
- No centro de tudo, está a saúde mental. A cabeça comanda tudo. Não existe doença pior do que a doença mental porque ela ataca o centro de todos os cuidados. Afeta o sistema central, a placa-mãe, o centro de operação. Sem isso, nada avança. Temos que ter muito cuidado - afirma o professor.
Construir uma rotina que faça sentido para o idoso é imprescindível. A pessoa precisa continuar tendo sua individualidade reconhecida e respeitada. Não se trata de escolher qualquer coisa para entreter alguém que está desanimado: um amante de clássicos do cinema italiano não tirará proveito, provavelmente, da novela a que a filha ou a cuidadora gostam de assistir todo final de tarde. Dar um baralho ou um quebra-cabeças para quem nunca gostou desse tipo de passatempo é infantilizar o indivíduo, ainda que muitos idosos possam, de fato, gostar muito desses jogos. É preciso considerar a história da vida pregressa para oferecer estímulos. O que esse homem ou essa mulher que envelheceram gostavam de fazer quando mais jovens? A que se dedicaram profissionalmente? A geriatra Fernanda exemplifica:
- Uma pessoa que sempre trabalhou com marcenaria ou eletrônica. "Pai, conserta isso aqui para mim? Só você consegue." Tem de ser algo que faça o idoso se sentir útil, e não ridicularizado. Buscar algo do passado, livros, trabalhos manuais, receitas culinárias.
Fernanda enfatiza que a depressão tardia, que se instala após os 60 anos, tende a ser mais agressiva e resistente.
- Não vai melhorar com força de vontade. Precisa de tratamento medicamentoso. O grande erro do paciente é usar a medicação por um, dois meses, começar a se sentir melhor e parar. Isso tem que ser explicado, conversado. Temos que colocar o paciente junto na decisão terapêutica. Não é só dar uma receita e tchau - diz a geriatra.
- A campanha Janeiro Branco, iniciativa social liderada pelo psicólogo e palestrante mineiro Leonardo Abrahão, teve início em 2014. Aproveita-se do período inicial do ano, quando são comuns as avaliações do ciclo que acaba de se encerrar e as projeções para os meses seguintes, para chamar a atenção para a importância da saúde mental. Em 2023, o tema é "A vida pede equilíbrio".
- Há promoção de palestras, oficinas, cursos, workshops, lives, rodas de conversa e abordagem de pessoas em locais como praças, igrejas, empresas e shoppings em diferentes cidades pelo país. Uma organização não governamental (ONG) chamada Instituto Janeiro Branco surgiu para fortalecer as ações do projeto.
- Interessados em participar ou obter mais informações podem entrar em contato pelo telefone (34) 9-9966-1835 ou pelo e-mail janeirobranco@gmail.com. O site janeirobranco.com.br disponibiliza materiais para download.
LARISSA ROSO
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