segunda-feira, 16 de janeiro de 2023


16 DE JANEIRO DE 2023
POLÍTICA +

O inventário da bestialidade

Instantes após ser confirmado na Diretoria de Patrimônio Material de Fiscalização do Iphan, o gaúcho Andrey Schlee percorreu a Praça dos Três Poderes, na terça-feira passada, para vistoriar a destruição provocada pela intentona golpista de 8 de janeiro.

Com 40 anos dedicado ao estudo da arquitetura e à defesa do patrimônio histórico, Schlee ficou horrorizado com a selvageria dos invasores.

Causou estupefação sobretudo a violência desferida contra a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), alvo dos instintos mais grotescos da malta ignóbil. Tamanha destruição demandou três dias de perícia da Polícia Federal no prédio.

- Foi uma cena muito triste, as poltronas todas arrancadas, os objetos quebrados, obras de arte destruídas. Eles jogaram os livros que ficam atrás dos ministros no centro do plenário e tentaram acender uma fogueira. Por sorte, o sistema de prevenção a incêndio funcionou muito bem e impediu a destruição total do prédio - conta Schlee, que circulou por uma hora pelos salões encharcados e cobertos por cacos de vidro, em meia ao odor pestilento de urina.

O primeiro passo do Iphan foi produzir um inventário da bestialidade. Com 50 páginas e 157 fotos, o material servirá de guia para a recuperação não só do Supremo, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, mas também do Museu da Cidade e do Espaço Lúcio Costa, locais também atingidos pelos vândalos, mas que receberam menor atenção da imprensa. Segundo Schlee, 27 técnicos do Iphan de todo o país estão sendo chamados a Brasília para ajudar no trabalho, mas a reconstrução só será concluída em meados de 2024.

Empresas públicas e privadas, universidades e organizações culturais estão oferecendo ajuda na recuperação dos estragos.

Hoje, o Iphan vai conduzir uma reunião com representantes dos poderes e do governo do Distrito Federal para definir frentes de ação. Ainda não há projeção de custos, já que há peças destruídas cujo valor é inestimável, caso do relógio fabricado pelo francês Balthazar Martinot, presente de Luís XIV à família real e que foi trazido ao Brasil em 1808 por D. João VI. O Iphan busca no Exterior quem possa restaurá-lo.

- Tamanha violência exige debate, acende alerta da necessidade de uma campanha de educação patrimonial. As pessoas precisam se sentir proprietárias, entender o valor histórico e institucional do que foi destruído - conclama Schlee.

FÁBIO SCHAFFNER INTERINO

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