sábado, 1 de fevereiro de 2020



01 DE FEVEREIRO DE 2020
PAULO GLEICH

Laços estivais

Nos meses de verão, boa parte dos gaúchos muda de endereço temporariamente, atrás de clima mais ameno, dias de ócio e mudança de cenário. Embora não seja tão bela como a de nossos vizinhos mais ao Norte, nossa extensa costa ainda tem espaço para albergar esses milhares de migrantes sazonais que deixam para trás cidades sonâmbulas, à espera do despertar na Quarta-Feira de Cinzas.

Todos os finais de semana é possível acompanhar as notícias desse êxodo rumo ao Litoral e de volta às casas, com cada vez mais crescentes quantidades de veículos, tempos de congestionamento, filas em supermercados e restaurantes. Nada disso parece impedir os devotos do sol e da areia, muitos dos quais inclusive lamentam a queda de movimento na praia durante a semana. Não há férias para nossa condição de animais sociais, que impele a formar aglomerações.

Nesses rearranjos geográficos sazonais se (re)criam também, a cada ano, outras redes de relações - como pode testemunhar quem já passou alguma temporada no Litoral. As histórias são inúmeras: vizinhos de praia que terminam se tornando melhores amigos, romances intensos e eternos (muitos dos quais acabam durando apenas tanto quanto o bronzeado), encontros casuais que acabam revelando conexões desconhecidas, de interesses e até de parentesco.

Entre os maiores beneficiados desse deslocamento estão os púberes e adolescentes urbanos, para quem é uma ocasião de escapar do cotidiano vigiado pelos pais e pelas câmeras do condomínio. É inestimável o valor de poder ir ao "centrinho" ou perambular pelas ruas apenas com os pares, permitindo-se experimentar a incipiente adultez que com tanto esforço e sofrimento tentam cultivar e dar a ver aos outros. E os do Interior também: embora sejam costumeiramente menos restringidos em sua mobilidade, é vital poder deparar com novas caras e, sobretudo, novos olhares.

Aqueles que permanecem em casa nesses meses cálidos, seja por opção ou por obrigação, têm também a oportunidade de refrescar seus laços afetivos. Pode ser a ocasião de rever aquele amigo próximo que não foi possível encontrar ao longo do ano e que também ficou cuidando da cidade. Não raro, nessas épocas, acabam se formando por contingência grupos inusitados de "remanescentes", onde novos encontros podem acabar surgindo. Mas é também a possibilidade de estabelecer outra relação com a cidade, que a pressa do cotidiano acaba tantas vezes dificultando: ir a um lugar desconhecido, tomar tempo para passear.

Comentam-se com frequência o bronzeado e o descanso trazidos das férias para casa, mas também os afetos podem ser beneficiados pelo estado de suspensão indolente dos meses estivais. O veraneio pode ser um ótimo refresco para a alma: tanto para deixar de molho os laços cotidianos, a fim de reanimar o desejo de proximidade, quanto para descobrir e criar outros laços para lembrar que, se estamos dispostos e disponíveis, a vida comporta novas conexões - o que sempre a torna mais rica.

*O colunista David Coimbra está em férias e retorna no dia 18/2

PAULO GLEICH - INTERINO

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