05 DE OUTUBRO DE 2019
MÁRIO CORSO
Derrubando o síndico
Uma vizinha nova chegou com um carro elétrico zero-quilômetro. Os vizinhos consideraram, modelo importado, elegante. Não só chique como ecologicamente correto. Ultratecnologia brilhando na garagem. Move-se sem ruído, feito um felino de lata.
Se no primeiro momento houve euforia, no segundo momento nem tanto. Foi o do 406 que notou a conexão junto à tomada na parede da garagem e comentou:
- Pois é, mas no fim nós é que pagamos os passeios. - disse apontando para a fonte de energia que recarregava o carro.O do 501 já subiu o tom:
- Que absurdo, o condomínio arcando com a eletricidade dela. O quanto isso impacta na nossa conta?
O do 603 emendou: - Não importa o que custa, mesmo que mínimo, é dinheiro nosso. Eu sou contra.
A do 502 vinha passando e engrossou o coro: - Nós estamos sendo roubados, você percebem? A do 403 raciocinou: - Dando golpes, até eu compro um carro desses!
O do 401, quando se inteirou do assunto, fez um grupo de WhatsApp entre eles para divulgar o fato. Decidiram não incluir o síndico para pegá-lo de surpresa. Poucas horas depois, o prédio fervia com o caso de desvio de energia do condomínio.
Acreditavam que essa era a deixa para mudar de direção. Era um ultraje a situação. Piorou quando souberam pelo porteiro que o síndico não só permitiu a instalação da tomada especial como fiscalizou o trabalho do eletricista.
Foi o do 303 quem insinuou que o síndico e a vizinha... Bom, vocês entendem. O que mais poderia justificar uma corrupção dessas? As mensagens não paravam durante o dia todo.
Foi o do 403 quem pediu ao síndico, em nome de todos, uma assembleia urgente sem revelar os motivos. O síndico estranhou, a principio relutou, mas terminou aceitando.
Enquanto isso chapas de oposição eram montadas. Difícil o consenso sobre quem seria síndico, já que ninguém topava nem ao menos ser do conselho. Isso seria assunto para depois da derrubada. O importante era parar o descalabro. O essencial era que corrupções como essa não ficassem sem resposta.
No outro dia, no começo da reunião, o síndico tomou a palavra:
- Enquanto os outros chegam, relato pessoalmente o que está na última correspondência, já que poucos leem. A nova vizinha precisava de uma tomada para seu carro elétrico. Por isso chamou um eletricista para puxar a energia do seu painel principal até a garagem. Já que era a única beneficiada pagou do seu bolso. Mas como acredita que essa é uma tendência, fez o eletroduto - que é o mais caro - mais largo, para passar os próximos cabos de quem vier a optar por carros elétricos. Portanto, queria agradecer em meu nome a generosidade dela, que beneficiará a todos no futuro.
A do 301 pergunta: - Então a energia da tomada é dela?
O síndico responde: - Óbvio, de que outra forma seria? Mas, já que estamos todos, por que pediram a assembleia?
MÁRIO CORSO
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