sábado, 12 de outubro de 2019



12 DE OUTUBRO DE 2019
J.J.CAMARGO

A RADICALIZAÇÃO ÉUM ATALHO PARA A INFELICIDADE. Mantenha uma distância saudável dos fanáticos, esses que sabem tudo que precisa ser feito para consertar o mundo

Os muitos conselhos de como viver melhor, que fazem a essência dos livros de autoajuda, usualmente traduzem apenas uma pretensão desmedida do autor. Por outro lado, muitas dessas recomendações são impraticáveis porque contrariam de tal forma hábitos e costumes do paciente que ele as perceberá como reservadas a outra pessoa, em outras circunstâncias. Como, por exemplo, comer brócolis e berinjela em todas as refeições. 

Ninguém merece submeter-se a essa punição. Portanto, seja razoável e não radicalize na alimentação. Coma o que sentir vontade, com moderação. O seu corpo saberá das suas necessidades. Quando sentir uma vontade incontrolável de comer laranja, pode apostar que seu nível de vitamina C está baixo. Não fantasie viver 100 anos comendo folhas. Pense na advertência de Ariano Suassuna: na Idade Média, homens e cavalos viviam 20 anos. Passados esses séculos todos, os homens estão ultrapassando os 80, e os cavalos, com sua dieta capim, seguem vivendo 20 anos.

Curta o seu vinho predileto, e aproveite o relaxamento prazeroso que um cálice nas refeições pode garantir. Ah, e tema os abstêmios que provavelmente têm segredos tenebrosos, que defendem no limite da sobriedade. Mantenha uma distância saudável dos fanáticos, esses que sabem tudo que precisa ser feito para consertar o mundo, que só está do jeito que está porque nunca lhes deram ouvidos. 

Não tente argumentar com os raivosos radicais, porque, como donos da verdade, eles habitam uma bolha, impermeável ao diálogo e à razão. Então seja esperto, e comece assumindo que sua parte é fazer o que fazes da melhor maneira possível. Portanto, fuja de heroísmos delirantes, esses que, irrealizados, só vão aumentar a produção de substâncias orgânicas que azedam o humor e aumentam a acidez gástrica.

Como se sabe bem, toda a forma de estresse é prejudicial. Então, vamos evitar o gratuito, concentrando-nos em conviver com o inevitável. Ouvir música clássica, por exemplo, é mais inteligente do que buzinar no engarrafamento. Evitar os pessimistas tem igual benefício, especialmente porque há evidências de que má sorte também se constrói.

Agora que está todo mundo empenhado em viver mais, priorize viver melhor. Talvez a regra mais importante nesta direção seja eliminar, na medida do possível, o convívio com pessoas ou circunstâncias que não lhe tragam prazer. Admito que isso é impossível na fase ascendente da vida, em que estamos criando o nosso espaço no mundo, e rompantes nesta fase podem ser contraproducentes. Mas guarde esta informação para a maturidade, e saberá que ela finalmente chegou quando levantar e ir embora, não mais será visto como insubordinação, mas como excentricidade saudável. E pode crer que os resignados com a chateação invejarão a tua coragem.

Tenha hábitos variados, preserve a musculatura, estimule a atividade cerebral, e durma bem. Não esqueça que o ronco significa má oxigenação, e não ajudará nada na velhice ter sacrificado um monte de neurônios em cada noite mal dormida. Eles farão falta no futuro, esse que todo mundo só pensa em alongar, sem atentar que a cabeça não pode ser a primeira a morrer, e que a longevidade só se justifica para quem for capaz de perceber a diferença entre viver e simplesmente durar.

J.J.CAMARGO

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