12 DE OUTUBRO DE 2019
NO ATAQUE
PODER, SOLIDÃO E SAPOS
Presidente do Inter, Marcelos Medeiros me contou como foi especialmente triste para ele demitir Odair Hellmann.
A quinta-feira foi um dos piores dias da vida de Marcelo Medeiros como dirigente, embora o lugar comum que forjou o apelido "cartola" para presidentes de clubes indique o oposto. Coube a ele demitir o técnico Odair Hellmann. Frente a frente. Olho no olho.
A derrota na Copa do Brasil também machucou, mas aí é do esporte. Duro estar tão perto e, de uma hora para outra, tão longe da conquista que mudaria sua vida para sempre, neste império do resultado chamado futebol brasileiro. Ser campeão a bordo de um timaço e dinheiro no cofre é obrigação. Na escassez, pagando dívidas dos outros e metido numa realidade espartana para contratar, esgrimando com elencos milionários, seria façanha - mesmo contra o Athletico-PR. Nem o contagiante otimismo do Mallenoti acreditaria em título lá atrás, vamos combinar.
O Inter não mandou Odair embora por entender que ele é fraco. Tanto Medeiros o considera promissor que não entregou sua cabeça em situações piores, ainda sem as boas campanhas de Libertadores e Copa do Brasil. Demitido antes, Odair teria problemas para se colocar no mercado. Agora, é barbada. Existe a certeza de que ele, um dia, voltará mais maduro e capaz de dar o salto que faltou na hora decisiva.
Quantos são campeões estreando em um grande clube? Renato ergueu taça só em sua terceira passagem pelo Grêmio como técnico. A avaliação foi de que o vestiário e o próprio Odair foram engolfados por uma nuvem de tristeza e insegurança pós-Copa do Brasil que afetou o desempenho coletivo e tisnou as decisões de todos.
O papo do intervalo, em vez de melhorar e incendiar, não surtia mais efeito. As soluções táticas se repetiam, sem resultado, sobretudo fora de casa, com uma postura inadequada para o tamanho do Inter. A direção entendeu que, com o G-4 sumindo faltando 14 rodadas e sinais de esgotamento, esperar tudo voltar ao normal era mais arriscado do que agir. Se for para trazer um técnico tampão, menor do que Odair, a demissão terá sido temeridade.
Aí era melhor ter exorcizado demônios em uma grande sessão de terapia com os jogadores, nos corredores do Beira-Rio. Todos sairiam unidos e fortes para encarar as críticas da torcida e da imprensa. Trocar de técnico após dois anos só se justifica por outro em patamar adiante na carreira, mirando 2020. Parece-me ser o caminho do Inter, ao menos por enquanto.
Voltemos ao instante da demissão, tema desta crônica. Todos gostam de Odair no Beira-Rio. Funcionários, jogadores. Todos. Trabalhava no seu time do coração desde 2009. Medeiros sabe que ele foi vítima de uma expectativa exagerada criada por seu próprio trabalho surpreendente, tirando de uma equipe média rendimento coletivo além do material humano à disposição. Como dizer-lhe, frente a frente, em outras palavras: seu trabalho bateu no teto?
Ameaças
Dirigentes carregam aquele estigma pejorativo do cartola ávido por ostentação e poder. Alguns são assim mesmo, com direito a negócios obtusos, conforme nos ensina a história recente, mas a maioria trabalha por abnegação. A partir do fenômeno das redes sociais e das fake news, lidam com ameaças pessoais e a familiares. Como envolve paixão, o universo web no futebol vira coquetel molotov.
Romildo Bolzan, por exemplo. Hoje, é semideus. Dá autógrafos parelho com Renato. Mas, em 2015, quando o Inter era semifinalista da Libertadores e o Grêmio seguia na fila, neófito e poste eram elogios, perto de outras pancadas impublicáveis que ele absorvia com paciência budista. Por tudo isso, acreditei quando Medeiros me disse como foi especialmente ruim dispensar Odair, em tese um ato de rotina. No futebol, técnicos caem como chuva de verão: a qualquer hora.
Entre glórias possíveis ou não, há uma dose de solidão no exercício do poder que eu dispenso. Prefiro ficar por aqui mesmo, sossegado, obedecendo a ordens dos meus muitos chefes, engolindo um ou outro sapo com sorriso de retrato no rosto.
DIOGO OLIVIER
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