quinta-feira, 17 de outubro de 2019



17 DE OUTUBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Nada de novos desafios

As redes, às vezes, irritam. Como quando duas ou mais mulheres postam fotos em que elas estão juntas e legendam assim: "Muito amor envolvido".

Me dá uma sensação melequenta, suspiro e tenho vontade de comentar: "Mentira! Ontem mesmo tu estavas chamando a outra de falsa e dizendo que aquele botox que ela aplicou a deixou com cara de panela!".

Mas é claro que não faço isso. Sou a favor da hipocrisia. Mas não do cinismo daqueles caras que botam coraçõezinhos vermelhos no comentário. Eu simplesmente reviro os olhos e vou para o próximo post, o da foto no elevador. "Muito amor envolvido." Francamente.

Outra coisa irritante é a postagem que vem com a seguinte observação: "Gratidão".

E só. As pessoas não dizem por que estão agradecendo e nem a quem. Ora, o anonimato do benfeitor empana o agradecimento. Eu, aqui, poderia dizer, por exemplo: "Venho de público agradecer ao meu amigo Diogo Olivier porque, nos anos 1990, várias vezes ele me emprestou algum para que eu pudesse pagar credores inclementes ou até gastar tudo na esbórnia, como fiz naquele fevereiro histórico de 1992". Se fizesse assim, seria ótimo, porque as outras pessoas diriam "que legal isso da tua parte, Diogo", e o Diogo ficaria feliz. Agora, um "gratidão" sem destinatário não serve a ninguém.

Verdade que as pessoas podem não estar se dirigindo a um ser humano; pode ser que estejam agradecendo a Deus. Quer dizer: elas não precisam revelar pelo que estão agradecendo, pois Deus tudo sabe e tudo vê. Bem. Mas, se for assim, por que publicar? Tudo bem que o Senhor está em toda parte, inclusive no Facebook, mas duvido que ele precise de curtidas para elevar Sua autoestima. O agradecimento poderia ser silencioso, discreto, profundo, numa mera oração. Mas não! Elas postam "#Gratidão" porque querem se exibir! Olha só: acontecem tantas coisas boas comigo, que agradeço ao Senhor num post. Francamente!

É exatamente isso: nas redes, você nunca conheceu alguém que tivesse levado porrada, todos os seus conhecidos são campeões em tudo. Esses, que nunca tiveram um ato ridículo, que nunca sofreram um enxovalho, que nunca foram senão príncipes - todos eles príncipes - na vida, esses, sabe o que eles dizem?

"Eu sou movido a desafios."

Que história é essa? Você é o gatilho mais rápido do Oeste, você é o próprio Wyatt Earp, e chega um novato na cidade e o desafia. Você não o conhece, não tem como avaliar a sua destreza, mas sabe que ele pode enchê-lo de chumbo quente antes que você consiga pronunciar Cucamonga. Você gosta disso? Claro que não!

Ah, mas nas redes eles dizem "o que eu gosto é de enfrentar novos desafios", como se realmente estivessem torcendo para arrumar problemas inéditos e mais complicados. Como diria o velho Pessoa: Arre! Estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?

Eles que fiquem com seus desafios. Eu continuarei aqui, na minha mesa no canto do saloon, sorvendo meu uísque de centeio, vivo e descansado. E feliz: tenho quatro ases na mão.

DAVID COIMBRA

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