sexta-feira, 11 de outubro de 2019



11 DE OUTUBRO DE 2019

DAVID COIMBRA


A mulher mais bonita que já vi


"Qual foi a mulher mais bonita que tu já viu em toda a tua vida?"

A pergunta foi formulada assim, com a conjugação gaúcha ("tu já viu") e com a ênfase pleonástica no final ("em toda a tua vida"). Retesei na cadeira, tinha de retesar, porque quem me interrogava era a Marcinha. Quando a sua mulher quer saber algo a respeito de outras mulheres, penso sempre no robô de Perdidos no Espaço: "Perigo! Perigo!".

Fiquei olhando para ela, tentando decidir o que responder, sabendo que estava perto demais das hélices. Antes que chegasse a alguma conclusão, ela acrescentou: - Só valem mulheres que tu viu pessoalmente. Ergui uma sobrancelha. A coisa se complicava. Tornava "a mais linda mulher" próxima de mim.

Outro problema é que gosto de fazer listas. O melhor filme, o melhor livro, o melhor jogador. Se fosse uma cilada, encontrava-me prestes a cair, porque já cogitava qual era a mulher realmente mais linda. Mas tinha que tomar cuidado. Muito cuidado?

- Foi a Gisele? - arriscou a Marcinha. Gisele, no caso, a Bündchen. Usamos dessa intimidade porque ela e Tom são nossos vizinhos aqui em Brookline. Eu a vi em pessoa, de fato. Ela ficou parada bem na minha frente, dentro de umas botas que lhe subiam pelas pernas compridas até a fronteira dos joelhos - gosto de mulheres de botas.

O que mais chamou a minha atenção em Gisele foi a sua cabeleira brilhante e dourada e a sua pele, que também é brilhante e dourada. Uma leoa, uma mulher que impressiona, sem dúvida. Impossível não olhar para ela quando entra em um lugar. Mas não foi a mais bonita que conheci e, num ímpeto de honestidade, disse isso. Ao que a Marcinha abriu a boca:

- NÃO?!? Então, quem é? Quem é essa tão maravilhosa?

Se valessem mulheres que vi em filmes, sei quem escolheria: Jacqueline Bisset. Foi a única mulher de quem levei a foto na carteira. Ao contar esse pormenor, à mesa do jantar, foi o Bernardo quem arregalou os olhos:

- Nem a foto da mamãe tu colocou na carteira?

- Nem? A Marcinha comentou o seguinte: - Humpf! Eu estava horrivelmente sincero naquela noite. - Afinal, quem foi? - insistiu ela.

Pois é. Quem foi? Comecei a pensar em várias mulheres lindas das minhas relações, mas elas eram, todas, bem, das minhas relações. Se você disser para a sua mulher que outra, uma que ela conhece, é a mais linda que você já viu, você nunca mais poderá nem sequer perguntar as horas para a dita cuja.

Fiquei vasculhando o cérebro para encontrar uma saída, enquanto a Marcinha e o Bernardo me encaravam, curiosos. Agora me ocorre que eu podia ter gritado, exultante:

- Yelena Isinbayeva!

Porque, sim, entrevistei Yeleninha depois que ela ganhou uma medalha de ouro de salto com vara. Estive a palmo e meio de distância de seus olhos lilases e podia sentir-lhe o cheiro do hálito de chocolate branco. Mas a questão é que, naquele jantar, não lembrei daquela bela russa e permaneci vacilante, ouvindo a Marcinha repetir:

- Quem? Quem? Foi aí que resolvi fazer um desvio. Uma manobra diversionista, digamos assim. Falei: - Estou em dúvida quanto à mulher, mas sei qual foi o homem mais bonito que já vi.

- Quem? - David Beckham!

E contei das vezes em que vi Beckham, inclusive uma em que eu e o Tulio Milman jantávamos em um restaurante que havia sido feito pelo famoso arquiteto Philippe Starck, em Pequim, e lá estava o bonitão, jantando com dois amigos. Assim que terminou o cafezinho, as pessoas formaram fila para tirar foto com ele. O Tulio propôs:

- Vamos lá tirar foto com o Beckham?

Espetei o indicador para o alto: - Eu, não! Eu sou do IAPI! E não fomos. O Bernardo protestou:

- Devia ter ido, papai!

E esse virou o assunto do resto do jantar. Depois de duas ou três horas, já no quarto, pronto para dormir, deitei a cabeça no travesseiro e sorri, contente com a minha habilidade verbal. A Marcinha, ao lado, fincou um cotovelo no colchão, apoiou o queixo na mão e falou baixinho:

- Tu ainda não disse qual foi a mulher mais bonita que tu já viu em toda a tua vida?

DAVID COIMBRA

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