19 DE OUTUBRO DE 2019
CARPINEJAR
Furtando de si mesmo
Sou o meu pior ladrão. Todas as vezes em que perdi a carteira, eu mesmo me furtei.
Tirei do lugar costumeiro para esconder em algum ponto remoto, para ninguém achar. Só que é tão bem escondido que nem eu me lembro. Tampouco há uma senha de lembrança para reconstituir as pistas.
Isso já aconteceu quando abri a minha casa para uma festa de 60 pessoas. Metade dos visitantes seria desconhecida. Enfiei a minha carteira dentro do sapato social, que não uso com frequência.
No dia seguinte, eu não sabia se limpava o apartamento ou pulava para São Longuinho. Eu guardava a certeza de que estava em casa, mas onde? Não havia jeito de puxar o carretel da memória. Restava-me a cena anterior promissora de ter localizado um ótimo esconderijo.
Bloqueei os meus cartões, recebi novos, dei o dinheiro por desaparecido, perdi tempo e gastei boletos refazendo a identidade e a carteira de motorista, foi uma maratona de burocracia, até que fui convidado a um casamento e reencontrei a carteira ao calçar os sapatos. Três meses depois, lá estava o couro gordinho dormindo na sola. Nada ali mais prestava. E jurava que havia três notas de R$ 100, quando sobraram apenas duas de R$ 50. Quando perdemos algo, juramos que havia mais grana - doce ilusão.
Se nenhum colega casasse, nunca reaveria os pertences. Botei na cabeça que não repetiria a tacanha ideia. Tinha aprendido a lição.
Mas voltando de uma feijoada na residência de amigo, em que emprestei meus cacarecos, não conseguia carregar o jogo de pratos e copos sozinho, estava de bermuda, os documentos caíam perigosamente do bolso e inventei de pôr a carteira dentro da panela. Para quê?
Eu não escondi, eu a enterrei com tampa e tudo na despensa.
Ela morreu na panela de feijão por um semestre. Quando a redescobri, passou tempo demais para manter viva a esperança. Experimentei a mesma custosa ressurreição de vida bancária e pessoal.
Não contei para a família o que aconteceu. Faltou coragem para admitir tamanha tolice. Não queria que eles pensassem que eu era burro. Esquecido sim, admito, mas burro, jamais.
CARPINEJAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário