18 DE OUTUBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Juízes do STF vão definir também seu próprio futuro
Ulysses Guimarães, o "Senhor Diretas", apoiou o golpe que instituiu a ditadura em 1964. Mais do que isso: Ulysses foi um dos organizadores da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que exigia a deposição de Jango. Vinte e quatro anos depois, com legitimidade e força, ele pronunciaria um discurso histórico na promulgação da Constituição, bradando da tribuna do Congresso:
- Nós temos ódio à ditadura! Ódio e nojo!
Ulysses talvez tenha mudado nesse tempo todo, e o país mudou muito mais. Pessoas e nações são assim, dinâmicas, estão sempre em transformação. É por isso que temos de tomar cuidado com posicionamentos definitivos. O que valia antes pode não valer agora. A sabedoria popular, a propósito, aconselha: "Nunca diga ?desta água não beberei?".
Por esse mesmo motivo, a Constituição de um país tem de tratar apenas de conceitos universais e irrevogáveis, como o direito que o cidadão tem de expressar livremente sua opinião, por exemplo. E, ainda assim, a Constituição pode ser modificada, de acordo com as novas premências que vão surgindo em cada época.
Essa nossa Constituição, que Ulysses promulgou em 1988, tem o defeito de ser abrangente demais e leniente demais. Ela foi fruto de um tempo em que estávamos traumatizados. Nós não apenas repelíamos racionalmente a ditadura, nós sentíamos "ódio e nojo".
A Constituição, assim, tentou dar ao cidadão o máximo de garantias de que ele jamais seria oprimido pelo Estado outra vez. Parece algo intrinsecamente bom, mas se tornou um mal. Ao se prevenir contra eventuais autoritarismos do Estado, os constituintes lhe retiraram a autoridade. Ao indivíduo, tudo; ao coletivo, quase nada.
Essa noção de, digamos, "excesso de direitos" contaminou todos os estamentos da sociedade brasileira. Hoje, quando um aluno agride a professora que lhe deu nota baixa ou quando o motorista insulta o fiscal que o multou, ali estão os efeitos da Constituição de 1988. De alguma maneira, não deixa de ser uma prova da eficiência da democracia.
O fato é que, agora, no século 21, a sociedade brasileira é muito diferente da de 1964. Agora, o mal que nos afeta, entre tantos, é a impunidade. O Brasil se transformou no país em que tudo é permitido, porque nada é punido. O brasileiro, quando visita outras nações, admira os valores comtianos que, por ironia, são apregoados em sua própria bandeira, "ordem e progresso", mas que não existem em seu próprio país. Um povo que não respeita a autoridade não tem limites. Não tendo limites, não tem ordem. Não tendo ordem, não tem progresso.
Nesta semana, o STF decide sobre uma questão que incide exatamente nesse ponto nevrálgico do Brasil moderno: condenados em segunda instância podem ou não ser presos?
A Constituição, da qual o Supremo é o "guardião", diz textualmente o seguinte:
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
O Supremo discute o que isso significa. Cada jurista tem a sua interpretação. Eu, como cidadão brasileiro, tenho cá a minha: essa frase não diz, de maneira nenhuma, que uma pessoa não pode ser presa até o trânsito em julgado, tanto que existem as prisões preventiva e provisória. Logo, o condenado em segunda instância pode, sim, aguardar o julgamento de seus recursos na prisão. É uma salvaguarda da sociedade, uma vez que ele já foi condenado duas vezes.
Argumentos há. O STF pode julgar de acordo com as necessidades do Brasil. Ou de acordo com os interesses de alguns. Nos próximos dias, vamos descobrir o que os juízes decidirão. E depois, é certo, eles é que serão julgados. Por nós.
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