16 DE OUTUBRO DE 2019
NÍLSON SOUZA
Não temos um Brasil B
Talvez eu esteja contaminado pelo tal climatismo alardeado pelos negacionistas de plantão no comando da República, mas não pude evitar o inconformismo ao ver a charge de Iotti na edição do último final de semana. O desenho vale por um libelo, no sentido de denúncia, acusação, incriminação. Em poucos traços, retrata bem o desconcertante dilema ambiental brasileiro: de um lado, animais desesperados e enlameados de óleo, fugindo do mar na direção da selva; de outro, bichos igualmente apavorados e chamuscados, fugindo da floresta em chamas na direção do mar.
A natureza agoniza e tem gente que só se preocupa em dar conotação política ao desastre predatório. Ora, importa, sim, saber quem derramou aquele petróleo que emporcalha as praias do Nordeste e extermina a vida marinha. Mas não apenas para saber se os criminosos são de esquerda ou direita, estrangeiros ou brasileiros. São criminosos e ponto. Precisam ser identificados, investigados e punidos com todos os rigores da lei. Da mesma maneira, devem ser autuados e responsabilizados os incendiários da Amazônia, sejam eles pecuaristas, madeireiros, índios, garimpeiros, ongueiros ou governantes omissos.
A proteção dos mares e das florestas não pode ser reduzida a uma bandeira ideológica. É um dever de cidadania. Mais do que isso: é um dever humanitário, um compromisso planetário. Não temos um planeta B, como diz a campanha ambientalista que ganha força em todos os continentes. Não temos, também, um Brasil B. O país é um só, é a casa de todos os brasileiros, até mesmo daqueles que só pensam em ganhar dinheiro para morar no Exterior, pois sempre sobrará por aqui um parente, um amigo, uma raiz. É, também, a casa dos estrangeiros que por aqui se aquerenciaram, muitos deles devido às más condições de vida em seus países de origem.
A verdade é que nossa casa está sendo ameaçada pelos cupins da ganância. Aqueles clarões de desmatamento na Amazônia, tanto quanto os incêndios florestais e os mananciais de água poluídos, não deixam dúvidas sobre isso. Brumadinho e Mariana são monumentos fúnebres da incúria com o meio ambiente na confrontação com os grandes interesses econômicos. Da mesma origem é o triste quadro de natureza morta representado pelas areias tingidas de óleo nas praias do Nordeste. O petróleo não sai sozinho das reservas subterrâneas.
E o que podemos fazer para interromper esse autoextermínio? Penso que o primeiro passo é abrir os olhos para a realidade, refletir sobre a charge do Iotti, acreditar nos cientistas que nos alertam diariamente sobre a degradação ambiental. Quando estivermos conscientes do estrago e fazendo a nossa parte para repará-lo, aí, sim, teremos mais legitimidade para cobrar providências efetivas das autoridades contra o massacre da serra elétrica e as explorações predatórias do solo brasileiro.
Talvez até consigamos escolher representantes realmente comprometidos com um país mais limpo, mais digno e mais confortável para todas as formas de vida que o habitam.
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