domingo, 4 de abril de 2010


CLÓVIS ROSSI

Quando a inocência mata

SÃO PAULO - Caro leitor, volte, por favor, à foto no alto da capa de ontem desta Folha. Mostra a menina Dzhennet Abdurakhmanova, de 17 anos, suspeita de ter sido uma das mulheres-bomba que se explodiram segunda-feira no metrô de Moscou, matando ao menos 40 pessoas, inclusive elas próprias.

Ouso dizer que foi a foto que, nos últimos muitos meses, mais me chocou, mais até do que as dos terremotos no Haiti e no Chile. Explico: explosões da natureza são incontroláveis; aos humanos, só resta lamentá-las.

Explosões humanas é que pedem entendimento para tentar evitá-las, o que me parece cada vez mais improvável.

A foto de Dzhennet é a própria contradição: o rosto da perfeita inocência cercado pela personificação do seu oposto, duas armas, uma na mão da própria menina, a outra na do noivo, morto pelas tropas russas na Tchechênia.

Qualquer pintor de talento transformaria o rosto da menina em um quadro imortal. Mas a inocência preferiu matar-se -e a dezenas de outros- antes mesmo de ter tido tempo para viver a vida, seus gozos e suas dores.

Que argumentos são usados para convencer uma Dzhennet, na Tchechênia, nos morros do Rio, nas selvas da Colômbia, nas profundezas de Darfour, onde quer que seja, que vale mais matar e morrer do que viver os sonhos que só a inocência permite ter?

Fanatismo? Claro. Fanáticos sempre houve, de todas as cores e crenças. Maldade? Também, idem, idem, idem.

Mas suspeito que, para convencê-las, é preciso que os olhos das Dzhennets, ao olhar para a frente, ao procurar o horizonte, como parece acontecer na foto da capa, não vejam nada, não vejam ao menos um lampejo de esperança.

Se é assim, chegamos a um estágio em que a desesperança venceu o medo. De matar e de morrer.

crossi@uol.com.br

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