08 DE AGOSTO DE 2020
FLÁVIO TAVARES
AQUI, BEIRUTE
A dor ensina a gemer, diz o sábio adágio popular, num alerta para o perigo oculto. Nestes dias já tumultuados pela covid-19, dois acontecimentos nos advertiram sobre horrores concretos que não enxergamos.
Na resiliente Alemanha (que superou a destruição da Segunda Guerra Mundial), o Deutsche Bank suspenderá todas as operações nacionais e internacionais de financiamento da exploração de carvão mineral. Em defesa da vida no planeta, nenhum centavo financiará mina ou polo carboquímico. As finanças não devem sustentar crimes contra a humanidade, frisou o banco, repetindo advertências do secretário-geral da ONU e do papa Francisco.
No Brasil, os três maiores bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander) uniram-se num propósito similar e advertiram o governo federal sobre a destruição da Amazônia e do meio ambiente.
Os grandes desastres devem levar a prevenir horrores latentes escondidos no dia a dia. A explosão de toneladas de nitrato de amônio em Beirute, vista agora na TV, desnudou o desleixo e perversão da cobiça.
Mas a ameaça pode estar também aqui, à nossa frente, noutra proporção, mas horror enfim. Em Porto Alegre, próximo à Arena do Grêmio e ao rio, uma fábrica norueguesa de fertilizantes armazena nitrato de amônio e o transforma em apreciado adubo agrícola. Não há indícios, porém, de que o secretário de Meio Ambiente se reúna com a empresa para saber da armazenagem de algo tão tóxico e explosivo ao calor. A mesma empresa tem armazéns no porto de Rio Grande.
Outra ameaça é o furto. Em outubro de 2019, por duas vezes, ladrões furtaram 150 quilos de explosivos (entre eles nitrato de amônio) da atual mina de carvão de Butiá. Ninguém viu nada, num indício de desleixo.
A tragédia maior, porém, é nos habituarmos ao horror.
Pesquisador minucioso, o médico Paulo Wageck calculou matematicamente que as explosões na pretendida "mina Guaíba", junto ao Jacuí, a 12 quilômetros da Capital, terão (nos seus 30 anos de exploração) o impacto de 11,5 explosões iguais à de agora em Beirute.
Seguindo o Relatório de Impacto Ambiental da própria mineradora, o médico fez o cálculo. Em três explosões diárias com cem furos cada uma, serão 26 explosões ao mês, com 34 quilos de nitrato por furo. Nos 12 meses dos 30 anos de "vida útil" da mina, seriam 31 milhões 824 mil quilos de explosivos.
Divididos os milhões de quilos de explosivos a serem usados na pretendida mina pelos 2 milhões 750 quilos de nitrato de amônio de Beirute, teríamos aqui 11,5 explosões iguais às da capital do Líbano durante a "vida útil" da tal "mina Guaíba". E o pretendido polo carboquímico ainda fabricaria fertilizantes a partir de amônia?
Beirute seria aqui, lentamente, mas brutal como lá.
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