Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
JOSÉ SIMÃO
Buemba! Vamos sair de barco alegórico!
Com essa chuva, escola de samba vai sair de barco! E Kassab vai mudar o nome pra PESCAB!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Polícia prende falso ginecologista que atuou por dez anos no Rio. E como é o nome dele? Sergio PINTO Magaldi. E o cara era na realidade contador. Contador de pererecas. E diz que ginecologista é o único profissional que gosta de levar trabalho pra casa!
E, com essa chuva, o Kassab vai mudar de nome pra PESCAB! E escola de samba vai sair de barco alegórico!
E olha esta notícia da Espanha: "Muere vaca acosada sexualmente por un burro". Então é o "Big Brother". "Big Brother" na Espanha!
E mais esta: "Ministro da Pesca será investigado por uso de cartão corporativo". Fisgaram o ministro da Pesca! E pra que serve ministro da Pesca? Pra contar mentira! Rarará!
É cada ministério. Só falta agora criar o Ministério do Banho e Tosa, Ministério da Espinhela Caída. E olha os gastos dele com o cartão do governo: R$ 500 na churrascaria Porcão.
Na Quarta-Feira de Cinzas de 2007! Então ele foi pescar no Sambódromo. E é uma contradição: ministro da Pesca comer churrasco! Pescou o que um ministro da Pesca foi fazer numa churrascaria?!
E adorei a charge do Bessinha mostrando como são os classificados agora na Amazônia: "Vendo essa casa, tratar na penúltima árvore em pé, no desmatamento ao lado".
Rarará! E um amigo meu diz que o sonho dele é transar com pelada de carro alegórico. Porque não fala nem reclama. Só rebola e dá tchauzinho. Rarará!
É mole? É mole, mas sobe. Ou, como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.
Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um irado exemplo de antitucanês.
É que em Belo Horizonte tem um bloco carnavalesco chamado Mamãe, Virei Bicha. Aquele que espera o Carnaval pra contar. Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Tripulante": companheiro que sai pulando atrás do trio elétrico. Rarará!
Aliás, tem um outro. "Cartão corporativo do governo": companheiro que gasta, goza e relaxa. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã!
Que vou pingar o meu colírio alucinógeno! E sai pra lá, lasca-gato, que a minha pele não serve pra tamborim!
simao@uol.com.br
ELIANE CANTANHÊDE
De dentro do navio
TOULON - Os submarinos de propulsão nuclear de ataque dos EUA são grandes e vocacionados para disparar mísseis balísticos contra alvos em terra -cidades, inclusive.
Já os da França, construídos pela DCNS, que tem participação estatal, são considerados menores e mais ágeis, podendo disparar tanto torpedos (por baixo d'água) quanto mísseis (para fora) em alvos no mar.
Seriam, portanto, mais adequados ao sonho brasileiro de ter submarinos de propulsão nuclear para vigiar sua imensa costa.
É outra boa desculpa para o governo Lula e o ministro Nelson Jobim darem as costas aos EUA e acertarem "aliança estratégica" com a França, acompanhada oportunamente de pesadas vendas francesas, compras brasileiras e futuras empresas binacionais de defesa.
Ontem, Jobim desceu com seu corpanzil num exemplar da Esquadrilha de Submarinos Nucleares de Ataque, em Toulon. E lá fui eu atrás conhecer também um submarino francês. A escada é estreita e na vertical, os leitos parecem catre de prisão, os corredores são mínimos. Ou seja, conforto zero.
Mas, do ponto de vista de tecnologia, o submarino é um show, conforme explicou um oficial francês, apontando para os sonares, a tela que define o alvo, o funil que dispara mísseis ou torpedos.
Jobim e oficiais do Brasil gostaram do que viram, especialmente o comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, que tem uma idéia fixa: o submarino de propulsão nuclear brasileiro, que se arrasta desde 1979 e, aparentemente, agora vai zarpar.
Enquanto o Brasil vai, a França já foi e já voltou. O primeiro submarino brasileiro não sai antes de 2020. E em 2017 os franceses já começarão a substituir a classe Rubi pelos Barracuda, de novíssima geração.
Aliás, isso é algo que o Brasil também pretende aprender com a França: planejamento. Algo que, definitivamente, nunca houve. Nem na defesa, nem no resto.
elianec@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
Os donos do mundo
LIUBLIANA - É sintomático que duas personalidades que a sabedoria convencional coloca na ala direita do espectro político (o ex-ministro brasileiro Delfim Netto e o presidente francês Nicolas Sarkozy) tenham reagido de forma muito parecida à crise financeira global.
Delfim reclamou ontem, na coluna aí ao lado, do fato de o sistema financeiro, "altamente inovador", ter ficado "sem nenhum controle externo". Sarkozy usou algo mais forte para descrever a crise: "Houve perda de controle".
Não acho que seja tão simples rotular um e outro como direitistas, mas esse não é o ponto a discutir aqui e agora.
O ponto é o final do texto de Delfim: "Deve ser evidente que o capitalismo (ou seja, o "mercado") não sobreviverá sem a regulação derivada de um imperativo moral categórico, internalizado pelos agentes e reforçado pela obrigação legal imposta pelo Estado".
Lamento, caro Delfim, mas é evidente para você. Quem teria o poder teórico para impor a regulação -os governos, em especial os dos países ricos- está absurdamente impotente.
Basta lembrar que, no encontro de terça-feira em Londres entre todas as grandes potências européias (Alemanha, França, Reino Unido e Itália, além do presidente da Comissão Européia), tudo o que se propôs para enfrentar a crise é "transparência". Ridículo, francamente ridículo.
Ridículo maior quando se considera que Angela Merkel, a chanceler alemã, queria, na cúpula do G8 em junho passado, um "código de conduta" para os "hedge-funds" e acabou não conseguindo nem isso de seus pares.
Agora, enfia a viola no saco. A verdade é a seguinte: os governos, hoje em dia, são, no máximo, meros atores coadjuvantes. Quem manda no mundo são os mercados financeiros.
crossi@uol.com.br
31 de janeiro de 2008
N° 15496 - Nilson Souza
A máquina da verdade
Faz sucesso no biguebroder, como já fazia em outros programas de televisão populares, a tal máquina da verdade - um aparato capaz de detectar variações reveladoras na voz e na expressão corporal de quem está sendo submetido a um questionamento.
Trata-se de um programa de computador similar ao que a polícia israelense utiliza para interrogar terroristas.
É uma evolução do célebre polígrafo criado pelos discípulos do criminalista italiano Cesare Lombroso, mencionado recentemente neste polêmico projeto de pesquisa com adolescentes infratores.
Lombroso, só para lembrar, desenvolveu a tese do criminoso nato, que podia ser identificado por algumas características corporais - entre as quais lábios grossos e orelhas grandes, o que já me deixaria, no mínimo, na condição de suspeito.
Suas teorias foram superadas, para alívio dos feios e dos tatuados. Tendência à tatuagem era, também, um dos indicadores da propensão à delin- qüência. Hoje a moda se encarregaria de desmoralizar esta hipótese.
Mas o polígrafo da verdade sobreviveu e vem sendo aperfeiçoado pela tecnologia, que a cada dia acrescenta-lhe um novo item de precisão.
Ainda assim, os especialistas reconhecem que é possível enganar a máquina. Pessoas muito controladas, como os psicopatas, são capazes de se submeter ao teste sem maiores alterações.
Já os mais sensíveis emocionalmente correm o risco de passar por mentirosos simplesmente porque ficam nervosos quando são alvos de atenção.
Tive um colega de faculdade tão tímido que a diversão da turma era olhar para ele e dizer: "Fica vermelho!". E ele incendiava. Imaginem um sujeito desses no detector de mentiras! Aposto que passaria por inconfiável. E, por tê-lo conhecido bem, posso atestar que era quase um santo.
Dizem que o homem é o único animal capaz de ruborizar por ser também o único que tem razões para isso. Mas a maioria, sabemos, não demonstra tão facilmente seus sentimentos.
Pelo contrário, somos muito mais hábeis para fingir do que para revelar, até mesmo porque a vida em sociedade exige algum grau de hipocrisia. Se a tal máquina da verdade fosse absolutamente precisa, é provável que os conflitos humanos se multiplicassem.
De minha parte, confesso que prefiro continuar confiando na minha intuição e nas pessoas que ainda enrubescem por nada. Aprecio a sinceridade, amo a franqueza, mas tenho uma certa reserva em relação a verdades absolutas, ainda mais quando atestadas pela precisão de uma máquina que não foi programada para entender as fraquezas humanas.
Tudo bem, podem me acusar de ser excessivamente tolerante. Daria para esperar outra coisa de quem tem lábios grossos e orelhas grandes?
Uma excelente quinta-feira ainda que com chuva por aqui.
31 de janeiro de 2008
N° 15496 - Paulo Sant'ana
Luz infinda dos poetas
Ah, meus poetas portugueses e brasileiros que me formaram em letras quando eu era apenas um adolescente.
Ler-vos já valia por um curso de gramática e de filosofia. E eu me embebedando nos vossos versos, decorando as mais belas páginas de poesia romântica e lírica dos que manejavam a flor do Lácio, que nunca mais se encontraria depois de vós e de Vieira.
Acabei de recitar para o Olyr Zavaschi, aqui na sala em que me encontro, alguns poucos dos mais belos e definitivos quartetos ou tercetos de nossa língua.
Entre eles, estas eternas tábuas de verdade da autoria do grande Vicente de Carvalho, só elas bastariam para explicar toda a perplexidade humana:
(...)
Essa felicidade que supomos
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arriada de dourados pomos
Existe, sim, mas nós não a encontramos
Porque está sempre apenas onde a pomos
Mas é que nunca a pomos onde estamos.
Ou quando Olavo Bilac, tendo sido abandonado pela noiva por estar tuberculoso, tendo ela imediatamente se casado com um capitão da Marinha de Guerra, 20 anos depois encontrou-a de mãos dadas numa solenidade com o esposo, já então almirante.
E, diante de centenas de convidados, Bilac recitou com voz enérgica e embargada:
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
Hoje, velha e cansada da amargura,
Minhalma se abrirá como um vulcão.
E em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que deixei de ser!
A senhora deixou-se cair desmaiada nos braços do almirante.
Ou como quando o pernambucano Maciel Monteiro fez elogio insuperável à beleza de uma mulher que conhecera e desejava conquistar:
Formosa, qual pincel em tela fina
Debuxar jamais pôde ou
nunca ousara; Formosa, qual jamais
desabrochara
Na primavera a rosa purpurina;
(...)
Formosa, qual se a natureza e a arte,
Dando as mãos em seus dons, em seus lavores
Jamais soube imitar no todo ou parte;
Mulher celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem
morrer de amores?
(Crônica publicada em 01/02/05)
31 de janeiro de 2008
N° 15496 - Luiz Pilla Vares
O eterno Cartola
Fiquei profundamente decepcionado e triste ao saber que a grande escola de samba Estação Primeira de Mangueira, patrimônio da cultura brasileira, não homenageará no Carnaval deste ano o mestre Cartola, que, se vivo fosse, estaria completando cem anos.
Cartola é o maior compositor da Mangueira, e a história da escola se entrelaça com a do autor de tantos clássicos imortais da MPB, como As Rosas Não Falam, O Mundo É Um Moinho, Acontece, Autonomia, Não Quero Mais Amar a Ninguém, Alvorada e tantos outros. Da mesma forma, a sua companheira de toda a vida, a célebre Dona Zica, tornou-se um símbolo da Mangueira.
E não adianta a direção da escola afirmar que Cartola já foi suficientemente homenageado pela Mangueira: o compositor, assim como sua obra, é inesgotável, e a omissão no ano de seu centenário é injustificável.
Razão de sobra quem tem é o também sambista Martinho da Vila, que criticou duramente o "tema patrocinado" e por isso se recusa a desfilar este ano em sua amada Unidos de Vila Isabel.
Na realidade, os "temas patrocinados" estão comprometendo cada vez mais a já combalida autenticidade. No fim, não se sabe mais o que é produto verdadeiro da arte do samba ou samba acobertando interesses propagandísticos e publicitários.
Mais esta capitulação de uma tradição já desgastada pelo gigantismo e pelo estrelismo televisivo é um crime contra uma arte genuinamente carioca que ganhou o Brasil inteiro.
Entretanto, ainda que Cartola tivesse se tornado célebre e se transformado em patrimônio da cultura brasileira à sombra da Mangueira, ele é muito maior do que a própria escola de samba.
Cartola transcende a Mangueira, e sua obra se tornou universal muito além dos limites da Verde e Rosa.
Inclusive cada uma de suas músicas se insere com destaque no rico repertório da poesia brasileira, em que inúmeros de seus integrantes se confessam incondicionais admiradores do autor de As Rosas Não Falam.
Aqui em Porto Alegre, uma escola pequena e pobre, mas muito ciosa da qualidade de suas músicas, a Academia de Samba Puro, fazendo jus a seu nome, escolheu o centenário de Cartola como o tema de seu desfile no complexo do Porto Seco. E sem patrocínio. Tomara que faça um belo desfile.
O eterno Cartola merece.
31 de janeiro de 2008
N° 15496 - Luis Fernando Verissimo
No que se parecem
No que Kaká e Tom Cruise se parecem? Os dois são admirados pelo que fazem e criticados pelo que acreditam. Não seriam criticados pelo que acreditam se não fossem artistas conhecidos com caras de bons moços.
Um declara que pertence a Jesus, o que não deixa de ser elogiável nesta época em que tantos jogadores de futebol pertencem a empresários nem sempre escrupulosos, mas os líderes da sua igreja, a Renascer em Cristo, estão tendo que explicar à justiça americana o que fazem com o dinheiro dos fiéis.
O outro é hoje o mais conhecido adepto da Cientologia, uma mistura de religião, filosofia e negócio de auto-ajuda que saiu pronta da cabeça de um escritor de ficção científica, entre outras coisas, chamado L. Ron Hubbard, nos anos 50. Ninguém teria nada a ver com a religião dos moços se eles não fossem celebridades e sua notoriedade não servisse para propagar suas crenças no mínimo discutíveis.
Mas a discussão é boa: o que torna uma crença mais, digamos, exótica do que outra? É fácil lamentar a exploração da fé de certas seitas neo-pentecostais e ridicularizar as esquisitices da Cientologia, mas todas as religiões do mundo exigem a mesma suspensão do bom senso dos seus seguidores.
O que católicos, protestantes históricos, muçulmanos e judeus precisam acreditar para serem fiéis sinceros só perde em estranheza para as novas igrejas porque suas religiões são mais antigas. A mais jovem delas tem quatro séculos. Todas têm a respeitabilidade indiscutível que vem com a idade.
Nada a ver com a Igreja da Boa Vida em Miami apoiada por Kaká ou a invenção auto-promocional de um excêntrico que Tom Cruise e outros em Hollywood (John Travolta, por exemplo) promovem. Mas com o tempo, apesar de suas doutrinas e práticas, estas também serão instituições antigas, e respeitáveis.
No que Jerome Kerviel, responsável por um rombo de 50 bi euros no banco Société Générale da França, se parece com o anônimo milionário da Arábia Saudita que encomendou o roubo dos quadros de Picasso e Portinari do MASP?
Se tivessem ficado com o produto do roubo, nenhum dos dois poderia ostentá-lo. Nada que Kerviel fizesse com o dinheiro desviado, mesmo que doasse ou queimasse a maior parte e ficasse só com um bi ou dois para os croissants deixaria de chamar atenção.
O milionário saudita só poderia pendurar os quadros no seu quarto ou no seu banheiro e jamais mostrá-los em público.
Mas nem o francês, pelo que se sabe até agora, queria ficar com o dinheiro nem o saudita tinha intenção de exibir os quadros.
Os dois foram movidos pelo amor à arte. No caso do francês, a arte de manipular bilhões com o teclado de um computador e descobrir até onde poderia ir com o seu poder mágico antes de chegar ao absurdo, no caso do saudita a arte pela arte, pelo puro deleite da contemplação solitária. Dois heróis - ou que outro nome mereçam - do nosso estranho tempo.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
30 de janeiro de 2008
N° 15495 - Martha Medeiros
Procuro-me
Lembra daquele anúncio de "procura-se" que saiu algumas vezes aqui em Zero Hora? Que coisa esquisita. "Procura-se".
Ao melhor estilo faroeste, o jornal fazendo papel de poste. À primeira vista, achei que fosse algum anúncio publicitário, mas não: uma família foi assaltada e decidiu ir à caça dos bandidos por conta própria.
É provável que houvesse algo de muito valor afetivo a ser recuperado, ou a motivação foi vingança. Seja o que for, achei tudo muito estranho e ligeiramente incômodo. Pois agora esse anúncio voltou à minha mente, e já explico por quê.
Zero Hora publicou ontem uma história hilária que me aconteceu. Quinta-feira passada, um senador italiano leu um texto meu em plenário e com isso ajudou a provocar a queda do primeiro-ministro daquele país.
Dizem que o momento da leitura do texto foi uma comoção. Só que o tal senador creditou o texto a Pablo Neruda, pois foi desse modo que ele o recebeu pela internet.
No dia seguinte, quem diria: os principais jornais da Itália estampavam uma foto minha, creditando a mim a verdadeira autoria do texto que abalou o governo. Meus 15 minutos de fama internacional.
Achei a maior graça, vou fazer o quê, chorar? Jamais um texto meu seria lido tão longe e por um motivo tão sério se não achassem que o autor era um Nobel de Literatura. Francamente, quem é que sabe que eu existo na Itália? Bom, agora sabem.
Indiretamente, saí ganhando com esse equívoco, mas vamos pensar juntos: por que o senador não leu um texto com autoria comprovada? Simples: porque foi mais um que se deixou levar pelas "facilitações" da internet.
Porque é provável que ele nunca tenha lido Neruda na vida, ou saberia reconhecer o estilo do chileno. Porque ele foi apressado e confiou demais no mundo virtual quando deveria seguir confiando em livros.
Eu sou fã da internet, mas é preciso saber usá-la com mais parcimônia. Me incomoda ver as pessoas se desabituando a privilegiar a cultura impressa, documentada, com marca registrada e direito autoral garantido.
Assim como também estão se desabituando a ter relações reais, de toque, olho no olho, emoções com algum registro sensorial comprovado.
Então volto ao assunto lá do início dessa crônica: não estaremos todos meio foragidos de nós mesmos? Inspirada naquele anúncio de "procura-se", resolvi lançar a seguinte campanha: "procuro-me".
Tenho tido provas cabais de que estou perdendo a identidade nesse mundo excessivamente virtual. Não sei você, mas vou atrás de mim mesma. Estou saindo de férias, volto assim que me encontrar.
Neste Dia Internacional do Sofá tenhamos todos, ainda que com muita chuva, uma ótima quarta-feira.
Elio Gasperi
FALTAM 355 DIAS PARA BUSH IR EMBORA
Terminado o espetáculo da leitura de sua última mensagem ao Congresso, George Bush começará sua viagem de volta para o Texas.
Faltam 355 dias, mas será uma satisfação acompanhar cada manhã do ocaso de um dos piores presidentes que os Estados Unidos tiveram. (Talvez tenha sido o pior, mas essa é outra conversa.) Messiânico, despreparado e mentiroso, transformou sua incapacidade pessoal num problema mundial.
Bush despediu-se com um discurso ressentido e sectário, atacando um Congresso onde a vontade do povo colocou-o em minoria. Jogou palavras de efeito em frases sem conteúdo. Mostrou-se como parte de uma 'geração' que enfrentou e derrotou o terrorismo.
Queimou uma palavra que John Kennedy usou magistralmente no seu discurso de posse, em 1960: 'A tocha passou para uma nova geração de americanos – nascidos neste século, temperados na guerra, disciplinados numa paz amarga e dura'. Kennedy podia dizer isso porque, como voluntário, lutou com bravura no Japão. Bush escapuliu do recrutamento que mandava a garotada para o Vietnã.
De todas as ruínas que produziu, Bush poderia esperar que a última, econômica, ficasse para seu sucessor. Enganou-se. Sua despedida poderia ter ficado à altura da crise que cevou. Nada.
Limitou-se a vagas banalidades. Falou em 'incerteza' e ensinou: 'No longo prazo, os americanos podem confiar no crescimento econômico. No curto prazo, todos podemos ver que o crescimento está diminuindo'. A crise já é muito mais que isso.
Bush fingiu não ter percebido a sua reverberação internacional. Pior: tratou do assunto como se lidasse com um meteorito que vem sabe-se lá de onde. A irresponsabilidade da banca ficou para depois.
Pode-se pensar que esse distanciamento é o que se espera de conservador de boa cepa. Falso. Tomando-se o dia 19 de dezembro passado como referência (nele anunciou-se a queda de 24,2% na construção de novas casas), passaram-se 47 dias entre o início da crise e o discurso de Bush.
Entre a Quinta-Feira Negra de outubro de 1929 e a leitura da Mensagem ao Congresso do presidente Herbert Hoover, passaram-se 40 dias. Não vai aqui nenhuma insinuação de que as duas crises se parecem nem que haja semelhança entre Bush e Hoover, um republicano exemplar, homem decente.
Em 1929, quando Hoover discursou na mesma tribuna ocupada por Bush, falou em risco de 'depressão' e associou o colapso da Bolsa a um 'excesso de otimismo' que provocou uma 'especulação descontrolada', transferindo dinheiro da produção para a mercado de papéis.
Muitos historiadores sustentam que não foi a quebra da Bolsa que gerou a crise, mas Hoover foi sincero quando procurou apontar a sua causa. Bush, nem isso. Hoover não inventou guerras, mas no dia do seu discurso havia 5 mil soldados americanos na Nicarágua, no Haiti e na China.
Por conta da crise iniciada em 1929, Hoover virou um maldito. Hoje, seu papel é reavaliado, para melhor. Isso não acontece porque seus erros foram menores, mas porque sua figura tinha tamanho.
Referindo-se às tropas no exterior, informou: 'Num sentido mais amplo, essa não é maneira pela qual nós queremos ser representados lá fora'.
Na noite de segunda-feira, Bush permaneceu pouco mais de uma hora no plenário do Congresso. Só ficou à vontade na saída, perto da porta, quando parou para autografar cópias do discurso que acabara de ler.
Sua vocação era outra.
30 de janeiro de 2008
N° 15495 - Paulo Sant'ana
Tatuagem
Descobri em mim há pouco tempo uma capacidade: eu estou apto para todos os encontros. Se, como disse o Vinícius, a vida é a arte do encontro, então eu sou um artista.
Mas eu contrariaria o grande poetinha, afirmando que a vida consiste também na arte da despedida. Porque muitas vezes um novo encontro depende vitalmente de uma anterior despedida. E eu não tenho nenhuma aptidão para as despedidas, daí porque sinto-me incapacitado para a vida.
Ninguém que não conseguiu despedir-se é capaz de encontrar-se novamente. Todo encontro é sempre informal, não o presidem quaisquer compromissos, nem o sucesso dele próprio. Já as despedidas, estas são solenes e formais, pesadas, derrubadoras, repletas e gritantes, de fracasso, até mesmo as despedidas agradáveis, imaginem as indesejáveis.
Livrem-me de todos os adeuses, até mesmo porque todos são hipócritas, ninguém pode separar-se daquilo ou de quem já amou, mesmo que não ame mais. Mais atroz que uma chacina será então um adeus ao que ainda se ama.
Eu expliquei isso uma vez aqui, quando afirmei que as pessoas que largam o cigarro o fazem por não terem amado o cigarro. Como vou deixar um vício que amo e me consome? Todos os amores são vícios que consomem.
Ainda tentando desmentir o grande poeta: o amor e a afeição não são infinitos enquanto durem, são eternos mesmo depois que acabam.
Quando me entrego a alguém ou algo nunca mais disso me libertarei. Em pouco tempo verei que aquilo que eram laços, embora desatados, permanecendo como grilhões.
Só para dar um exemplo, é apenas um exemplo, nada tem com o concreto que faz desabafar assim: venho encontrando mais de uma vintena de amigos que se tornaram ex-fumantes, a quem interrogo sobre sua experiência.
Quase todos eles me dizem que às vezes sonham com o cigarro, têm pesadelos desejantes de cigarro, vacilam dramaticamente em voltar ao cigarro, a maioria não volta de vergonha, medo da vaia íntima ou exterior, ou porque seria um retrocesso desperdiçante do enorme sacrifício imposto pela renúncia.
É isto. Tudo que nosso coração conquista ou o que por ele é conquistado, disso ele se torna para sempre prisioneiro. Não há jamais como fugir-se daquilo ou de quem se amou, mesmo que agora se o odeie.
E é mortal que a gente se afaste de quem ou de que se ama. Tolice o que se ouve: só um outro amor pode substituir um grande amor. Nada há que cure o que se cravou uma vez no coração, mesmo que já se tenha desencravado.
No coração plasmam-se impressões digitais indestrutíveis, são definitivamente dele, ele nunca conseguirá abdicar delas podem até despegar-se dele suas substâncias, mas lá continuará o desenho de suas linhas, como uma tatuagem inapagável.
Esqueça de esquecer o que um dia incendiou o seu coração. São labaredas eternas. O sopro de um vento ou de um tufão podem amainá-las, mas logo em seguida elas voltam a crepitar.
Nós somos vassalos do que bem queremos e escravos eternos de nossos ex-amores. Ninguém servirá dedicadamente a um novo amor, desde que já tenha assim se entregue o outro.
O que passou não passou. A não ser que não tenha se passado.
(Crônica publicada em 21/06/94)
30 de janeiro de 2008
N° 15495 - David Coimbra
Os ódios tantos de Graciliano
Graciliano Ramos odiava.
Odiava paisagens. Havia uma janela ao lado de sua mesa de trabalho, em seu apartamento na Tijuca, mas ele a mantinha sempre fechada - antes fosse uma parede nua, antes fosse um cofre.
Odiava sua terra natal.
- Aquilo daria um bom golfo - costumava dizer a respeito da Alagoas onde nasceu na última reta do século 19.
Odiava vanguardistas e modernistas. Considerava-os todos uns homossexuais. Que, aliás, odiava, definindo-os como seres "perversos e repelentes".
Volta e meia, Graciliano tinha o desprazer de encontrar certo crítico de artes plásticas na Livraria José Olympio, então incrustada na histórica Rua do Ouvidor, Centro do Rio, ponto de poetas, escritores e intelectuais.
O crítico, notório homossexual, estendia-lhe a mão, afetuoso e sorridente. Graciliano o cumprimentava e, ato contínuo, corria para o banheiro, a fim de lavar-se até os cotovelos.
- Não sei onde ele andou pegando - justificava.
Stalinista convicto, Graciliano Ramos nutria vigoroso ódio pelos trotskistas, aos quais desprezava tanto quanto aos nazistas.
Mas nem nazistas nem trotskistas mereciam-lhe mais ódio do que a figura gramatical do anacoluto, ele que era dono de texto preciso, militarmente correto, a sentença impecável, sujeito, verbo, complemento e ponto; sujeito, verbo, complemento e ponto.
A tudo isso odiava Graciliano Ramos, e nem de Machado de Assis gostava muito. Chamava-o de "negro metido a inglês". Quer dizer: até do ódio racista se alimentava Graciliano Ramos.
Tanto lhe preocupava a cor e a raça que, um dia, perguntou ao primo, o antropólogo Artur Ramos, se Heloísa, sua segunda mulher, era branca. Para seu profundo pesar, o antropólogo disse-lhe que ele estava casado com uma mestiça.
Essas histórias todas a respeito de Graciliano Ramos eu as colhi do excelente livro "As Obras-Primas Que Poucos Leram", organizado por Heloísa Seixas. O texto sobre Graciliano foi escrito por outro alagoano, o poeta Lêdo Ivo, imortal da Academia.
Lia o artigo e, ao mesmo tempo em que me divertia com a fluidez do texto de Lêdo Ivo, espantava-me com o caráter de Graciliano.
Ou com a falta de. Como pode um homem construir uma obra tão importante como a que ele construiu, autor que foi de "Vidas Secas", "Angústia" e "Memórias do Cárcere", intelectual de peso no país, influente, inteligente, como pode um personagem desse quilate ser de tal forma eivado de maldade e preconceito?
Quase duvidava do testemunho de Lêdo Ivo, até que pensei em certos personagens do futebol. São vitoriosos na mesma medida em que são canalhas.
Há tantos assim que quase parece ser a canalhice uma condição para se conquistar a vitória. Mas, felizmente, não é desse jeito que funciona. O sucesso pode vir lado a lado com o bom caráter. Pena que nem sempre. Pena que, no futebol, quase nunca.
O oitavo Rei de Roma
Temos duas tevês de tela plana, aqui na Editoria de Esportes. Duas tevezonas, dezenas de polegadas, um luxo. Ontem à tarde, numa delas corria o jogo do Roma, noutra o do Borussia. Então, chegou Paulo Roberto Falcão pisando macio dentro de seus sapatos milaneses e, vendo a maioria da Editoria de frente para a tevê em que se esfalfavam os jogadores do Borussia, reclamou:
- Pô, de costas para o meu Roma!
De pronto, o Mario Marcos premeu o botão da ESPM Brasil no controle remoto e o jogo do Roma reluziu nos dois aparelhos.
Falcão estava sendo espontâneo, estava sendo autêntico, quando protestou em favor do seu Roma. O que prova a grande verdade: que o grande profissional tem de ser, antes de tudo, um grande amador.
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
JOSÉ SIMÃO
Ui! Vou implantar cabelo na Amazônia!
Motel em São Paulo dá um período grátis a quem completar cinco períodos lá. É o Cartão Infidelidade.
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
São Paulo X Corinthians. Juiz anula gol e deixa de marcar pênalti pro São Paulo. Como é o nome do juiz? SÁLVIO Spinola. Sálvio o Corinthians! Ele devia ser o autor do hino do Corinthians: "Sálvio Corinthians / O campeão dos campeões".
E o comentarista da ESPN disse que o jogador do Flamengo não terminou o treino porque sofreu uma "contusão na região testicular". Tucanaram o pé no saco!
E a frase da semana fica com a Sabrina Sato no "Pânico": "Esse programa virou baixaria, agora"? AGORA?! Rarará! Ela trabalha há 300 anos no Pânico e só agora percebeu que virou baixaria?! Rarará!
E o chargista Novaes revela como o Lula vai resolver o problema do desmatamento da Amazônia: Com um implante! O mesmo que implantou cabelo na careca do Zé Dirceu! Vamos implantar a Amazônia! Rarará!
E um amigo meu estava em Lisboa quando viu escrito no vagão do metrô: "Goze a Viagem". Devia ser goze NA viagem!
E um outro estava em Novo Airão, no Amazonas, e me mandou a foto da faixa: "Show de Wanderley Andrade, rei do calipso. Compre seu ingresso antecipado e concorra a um salário mínimo". É o Bolsa Ingresso. Rarará!
E na esquina da Major Sertório com Amaral Gurgel tem um motel com a faixa: "Programa Fidelidade: a cada cinco períodos, ganhe um grátis". É o Cartão Infidelidade. Rarará!
E essa tal de mudança climática até que faz bem ao Brasil: parlamentares retidos na Antártida devido a mudança climática!
É mole? É mole, mas sobe! OU, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.
Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.
É que em Portland, Oregon, tem uma joalheria chamada KASSAB JOALHEIRO! Deve ser relógio pro Kassab marcar hora de lacrar inferninho! Rarará!
Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Desplante": companheiro que desmata a Amazônia! Rarará!
O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo, que eu não vou!
simao@uol.com.br
ELIANE CANTANHÊDE
Novo amor
PARIS - Os EUA têm 6 das 11 mais ricas empresas na área aeronáutica e espacial do mundo, inclusive a primeira, a Boeing. Mas o Brasil está fechando um ambicioso plano estratégico com... a França.
A explicação objetiva -e, cá pra nós, inquestionável- é que a França transfere tecnologia de seus aviões, de seus submarinos, de seus helicópteros, enquanto os EUA não. Comprar equipamentos de defesa norte-americanos, assim, é mais ou menos como assinar um tratado de dependência.
Numa situação delicada qualquer, basta os EUA bloquearem o fornecimento e, pronto, lá se vai pela janela toda a capacidade de reação e de defesa do Brasil. Sem contar as perdas financeiras de compras nesse modelo.
Um exemplo concreto, bastante recente, é de quando a Embraer foi proibida de vender aviões para a Venezuela, porque eles tinham componentes americanos. Chávez comprou da Rússia. Só quem perdeu foram o Brasil e a Embraer.
Depois de décadas de dependência americana, o Brasil fazer "aliança estratégica" com a França não deixa de ser deveras instigante, até porque a França sempre foi uma espécie de líder de resistência na Europa ao tal "mundo unipolar".
O fato é que o ministro Nelson Jobim (Defesa) desembarcou em Paris com mil e uma idéias e pronto para acertar compras e/ou instalação de fábricas binacionais de submarinos nucleares, de submarinos convencionais, de helicópteros de carga franceses para as três Forças, além de caças para a FAB.
Ontem ele admitiu "uma tendência a favor dos Rafale", que são franceses. Agora, Lula e Sarkozy vão se encontrar no dia 15, na fronteira Brasil-Guiana. Vem recado por aí.
A Venezuela se arma na Rússia, o Brasil transforma a França no seu principal parceiro na área de defesa.
A crise americana pode não ser "apenas" na economia, mas também na política, com, por exemplo, perda gradativa do seu "quintal".
elianec@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
Os Alpes já não estão brancos
MUNIQUE - Como diria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tivesse ido a Davos neste ano, nunca nestas montanhas se viu tanto verde/marrom (de árvores e terra) e tão pouco branco (da neve).
De fato, faz 19 janeiros consecutivos que vou à Suíça. Na primeira vez, voltava da cobertura da Guerra do Golfo (a primeira).
Entrei na loja da Ibéria em Zurique para refazer minha passagem de retorno ao Brasil.
A atendente me avisou que era complicado e levaria tempo. Dei graças a Deus. Lá fora, o frio rachava até os ossos. Lá dentro, a calefação acariciava o corpo moído pelo desgaste que é sempre cobrir guerras.
Neste ano, mesmo em Davos, nos picos alpinos, havia gente almoçando nas mesinhas na calçada do Hotel Europe, na Promenade, a única avenida da cidadezinha de 13 mil habitantes.
Na partida, domingo, fizemos seis horas de trem de Davos a Munique, a maior parte do tempo com os Alpes nos olhando das janelas. O tempo todo, neve só mesmo nas partes mais altas.
No ano passado, de Genebra, já havia escrito o texto "Cadê a neve que estava aqui?", reclamando do calor que fazia em janeiro na deliciosa cidade às margens do lago Leman. Foi antes do relatório científico sobre a mudança climática -aterrorizante, aliás.
Dizia, então, que me sentia como uma espécie de enviado especial ao aquecimento global. Não estou sozinho.
Em Davos, Yoshinori Imai, principal apresentador da NHK, a rede japonesa de TV, também espantado com a temperatura, dizia:
"As pessoas já estão sentindo na pele o efeito da mudança climática". Imai entende de neve e de frio muito mais do que eu, porque no Japão também neva.
O que me espanta é que essas evidências fisicamente perceptíveis não comovam os governantes, os empresários, o público em geral (salvo as exceções de praxe) a agir enquanto é tempo.
crossi@uol.com.br
29 de janeiro de 2008
N° 15494 - Liberato Vieira da Cunha
Entardecer num café
Torno, depois de dois mil séculos, ao Café Mozart. O Poeta vai aparecer daqui a pouco, imagino, sentar-se comigo nesta mesa, puxar um Carlton e ordenar café preto e quindins.
O Poeta vai falar de uma borboleta, da Saga dos Forsythe, que estamos lendo juntos, o Poeta vai falar em Greta Garbo. Mas as horas fluem e o poeta não pinta.
Chove sobre o verão de Porto Alegre; a casa está quase deserta. A arquitetura do hall me lembra um navio. Estou nos mares da Grécia, penso, logo vai telefonar aquela moça alta, dizer que me espera junto ao bar do cassino do navio.
A moça alta e tão bela não liga. Isto não é um navio, é uma despedida, segundo informa no sistema de som Adriana Calcanhotto:
"E o meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação."
Aumenta a chuva. Não conheço Adriana Calcanhotto, que era loira e agora é morena, ou ao contrário, e gravou um disco admirável para crianças de todas as idades.
Tudo bem, Adriana, é uma gare. Para onde vai este casal que sentou aqui ao lado, de começo tão terno, em seguida tão prisioneiro de triviais malquerenças?
Ancoram três amigos e, ainda que o inesperado frio do entardecer requeira vinho, pedem cerveja. Os dois garotos disputam as graças da garota loira, que volta os olhos para o terraço, tipo quem diz: por que esta súbita tempestade?
O garoto que tem o rosto decorado de espinhas parece estar perdendo a parada.
Atraca, lento e trêmulo, um velho, junto à porta. "O de sempre" - informa ao garçom, que lhe traz um mínimo cálice de Porto. Há perdas, desde o mármore da mesa até seus lábios, extravios de rubi e luz que jamais serão provados por ninguém.
No corredor, que foi encruzilhada de trilhos, que foi porto, acomoda-se um grupo de adolescentes. Não têm dinheiro para entrar aqui, ajustam-se às costas uns dos outros, feito uma expedição de pássaros noturnos.
A garota loira busca a boca do garoto decorado de espinhas.
O Poeta teria gostado da cena.
Mas chove melancolicamente lá fora e sou inclinado a crer que não há mais Poetas.
Uma excelente terça-feira, esta que marca o ante-penúltimo dia de janeiro de 2008
29 de janeiro de 2008
N° 15494 - Paulo Sant'ana
O retrato de Jesus
Eu me emocionei quando li, por gentileza do leitor Jair Wingert, de Campo Bom, repercutindo aquela coluna que fiz sobre a frase desesperada de Jesus antes de morrer.
É o mais abrangente escrito que já me passou pelos olhos sobre a figura de Jesus e explica muito, profunda e comovedoramente, o significado e a importância para a humanidade da passagem do mais ilustre homem sobre a Terra.
Não vou furtar meus leitores deste documento de impacto, que está arquivado e exposto em Jerusalém, cuja cópia me veio ontem às mãos. Faço-o até para deixá-lo registrado nos arquivos de Zero Hora como o mais fiel perfil de Jesus, superior até à imagem que se retira dos textos bíblicos.
É o mais impressionante depoimento que li sobre Jesus Cristo, eis que o retrata física e espiritualmente e foi prestado por um romano que servia o imperador na Judéia, portanto uma testemunha ocular da presença de Jesus naquelas paragens, homem que assistiu a muitos comícios do Nazareno e que mandou a seguinte carta ao imperador Tibério César, antes, é claro, da morte de Jesus:
"Sabendo que desejais conhecer quanto vou narrar-vos, escrevo-vos esta carta. Nestes tempos apareceu na Judéia um homem de virtudes singulares, que se chama Jesus e que pelo povo é chamado de O Grande Profeta.
Seus discípulos dizem ser ele o Filho de Deus. Em verdade, ó César, cada dia dele se contam raros prodígios: ressuscita os mortos, cura todas as enfermidades e tem assombrado Jerusalém com sua extraordinária doutrina.
É de estatura elevada e nobre, e há tanta majestade em seu rosto que aqueles que o vêem são levados a amá-lo ou a temê-lo. Tem os cabelos cor de amêndoa madura, separados ao meio, os quais descem ondulados sobre os ombros, ao estilo dos nazarenos.
Tem fronte larga e aspecto sereno. Sua pele é límpida e corada: o nariz e a boca são de admirável simetria. A barba é espessa e tem a mesma cor dos cabelos. Suas mãos são finas e longas e seus braços de uma graça harmoniosa.
Seus olhos são plácidos e brilhantes, e o que surpreende é que resplandem no seu rosto como raios do sol, de modo que ninguém pode olhar fixo o seu semblante, pois quando refulge, faz temer, e quando ameniza, faz chorar".
Prossegue o relato estupendo: "É alegre e grave ao mesmo tempo. É sóbrio e comedido em seus discursos. Condenando e repreendendo, é terrível; instruindo e exortando, sua palavra é doce e acariciadora. Ninguém o tem visto rir.
Muitos, porém, o têm visto chorar. Anda com os pés descalços e com a cabeça descoberta. Há quem o despreze vendo-o à distância, mas estando em sua presença não há quem não estremeça com profundo respeito.
Dizem que este Jesus nunca fez mal a ninguém, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele têm andado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde.
Afirma-se que um homem como esse nunca foi visto por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, nunca se viram tão sábios conselhos e tão belas doutrinas.
Há todavia os que o acusam de ser contra a lei de Vossa Majestade, porquanto afirma que reis e escravos são iguais perante Deus. Vale, da Majestade Vossa, fidelíssimo e obrigadíssimo. (ass.) Públio Lêntulo, Presidente da Judéia".
(Crônica publicada em 26/02/97)
29 de janeiro de 2008
N° 15494 - Moacyr Scliar
A ciência em debate
Biopsicossocial é uma expressão muito usada. E significativa.
Para começar, observem a ordem dos três componentes. Primeiro vem o biológico, que é a coisa mais básica, aquilo que partilhamos com um réptil ou um inseto: os órgãos, as funções corporais. Depois vem o psíquico, que é a introdução à nossa humanidade: o pensamento, as crenças, os sentimentos.
E por último o social, que coroa a nossa evolução histórica e cultural. Entre o biológico e o social está o psíquico. Freqüentemente numa posição desconfortável, como já veremos.
Na semana passada um debate surgido em Porto Alegre propagou-se pelo país. Trata-se da proposta de uma pesquisa científica, que começará com jovens delinqüentes e que tem por objetivo investigar as raízes da criminalidade.
A investigação inclui mapeamento cerebral, uma técnica atualmente muito utilizada e que, aparentemente desencadeou a polêmica.
Resumindo: o estudo foi criticado porque privilegiaria os aspectos biológicos, enveredando assim por um caminho que, no passado, levou ao racismo e à eugenia, ou seja à seleção (às vezes pelo simples assassinato) de indivíduos mais sadios.
Teorias mais recentes, como a sociobiologia, popularizada nos anos setenta pelo pesquisador americano Edward O. Wilson, também tentam explicar o comportamento humano e social com base na evolução biológica e na genética.
Estas idéias foram contestadas por Richard Lewontin e Stephen Jay Gould. Surgiu daí a idéia de que os defensores do biológico são de "direita" (com muitas aspas), enquanto que aqueles que valorizam o social são de "esquerda" (idem).
Mas nem sempre foi assim. Tomem o caso de Darwin, por exemplo, em quem Wilson se baseou. O cientista inglês era considerado um radical contestador, inclusive e principalmente porque contrariava a doutrina do criacionismo.
Mais tarde, a tese da sobrevivência do mais apto passou a ser utilizada por ideólogos neoliberais. Resultado: darwinismo social é uma expressão execrada pela esquerda.
No caso dos estudos do cérebro, a polêmica é outra. De um lado a idéia segundo a qual é no cérebro (na química cerebral) que devemos procurar a origem de problemas mentais e emocionais, tratando-os com medicamentos, se for o caso - uma idéia que tem o poderoso apoio do seguro-saúde norte-americano e da indústria farmacêutica.
De outro, estão aqueles que defendem a psicoterapia como um tipo de relação humana capaz de ajudar as pessoas. De novo, é o psicológico entre o biológico e o social.
Agora: notem que estas coisas não são excludentes. Uma discussão mais serena, mais desapaixonada, pode mostrar os limites do biológico, do psicológico e do social.
O importante é avaliar os fatos, não as conotações. No caso da pesquisa científica, e exatamente por causa das barbaridades cometidas pela ciência nazista, temos hoje os comitês de ética, cuja atividade é importante e não raro decisiva.
Mas o debate que o assunto suscitou foi e é útil. Da discussão sempre nasce a luz; ruim é o apagão da intolerância.
Como disse Darwin numa carta a seu admirador Karl Marx: "I believe that we both earnestly desire the extension of knowledge", "Acredito que nós dois honestamente desejamos a ampliação do conhecimento."
O Painel RBS, que ontem reuniu grandes expressões da vida pública gaúcha e brasileira, foi um importante passo no sentido de estabelecer um diálogo sobre o futuro do RS.
29 de janeiro de 2008
N° 15494 - Cláudio Moreno
Povos diferentes
Em dois milênios e meio, pouca coisa mudou entre o homem e a mulher. Heródoto conta daquelas Amazonas que os gregos derrotaram e tentaram levar para a Grécia.
No trajeto, elas se amotinaram e jogaram a tripulação ao mar; porém, como não sabiam manejar o navio, ficaram à deriva, ao sabor do vento, até que a correnteza as levou às praias da selvagem Cítia. Ali elas se apropriaram de uma manada de cavalos e começaram a pilhar o interior do país.
A princípio, os citas ficaram perplexos: não sabiam que guerreiros eram aqueles, pois não reconheciam sua fala ou sua maneira de vestir; contudo, após o primeiro confronto, ao examinar um cadáver e perceber que não eram homens, decidiram que valia a pena ter filhos com essas valorosas guerreiras.
Para isso, mandaram que os solteiros fossem acampar perto delas e as observassem em tudo, sem jamais hostilizá-las. Assim foi feito; quando elas atacavam, eles recuavam, sem entrar em luta, para convencê-las de sua intenção pacífica.
Admirando-os por isso, e impressionadas com o valor e o denodo que eles tinham demonstrado no combate, elas deixaram os jovens citas ficar onde estavam. Sendo homens e mulheres, não preciso dizer que a distância entre os dois acampamentos ia ficando menor a cada novo dia...
No final das manhãs, elas passaram a se afastar, sozinhas ou em pares, a fim de cumprir o que a natureza manda; os citas fizeram o mesmo.
Quando um deles encontrou-se com uma delas, junto ao rio, o inevitável ocorreu, para alegria de ambos. Depois - mas que coisa mais antiga! - ela avisou, por meio de sinais, que no dia seguinte viria com uma amiga, e que ele assim o fizesse. Em pouco tempo, todos formavam casais; o passo seguinte - quem diria! - foi unir os acampamentos, passando a morar juntos.
Os homens (como, aliás, até hoje) não conseguiram aprender a língua das mulheres, mas estas, ao contrário, captavam muita coisa da linguagem deles, e assim iam se entendendo.
Quando eles propuseram que fossem morar com seu povo, elas recusaram: "Gostamos de cavalgar e de caçar livremente; jamais viveremos como as mulheres citas, que passam seus dias ocupadas com afazeres domésticos. Se querem ficar conosco, vamos nós, todos juntos, achar um lugar para começar vida nova".
Os jovens concordaram, e todos levantaram acampamento e viajaram muito longe, para o norte, onde se tornaram a tribo dos Sauromatas, cujas mulheres nunca deixaram de cavalgar e lutar ao lado de seus homens, provando que o segredo da harmonia entre os sexos é o gosto por essa estranheza recíproca e a aceitação de que existe uma ignorância entre eles que nunca será superada, pois são povos diferentes.
(Coluna publicada em 12/10/2004)
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
MOACYR SCLIAR
Gangorra
A testa desse cara é decisiva, cara, a testa dele é mais importante que aqueles telões com a cotação das ações
Gangorra global: volatibilidade das Bolsas. Editorial, 27 de janeiro de 2008.
Bovespa sobe 5,57% e dólar fecha a R$ 1,78, com "alívio" nos mercados após plano americano. Folha Online, 24 de janeiro de 2008.
Bovespa fecha em baixa de 3,32%, com risco de recessão nos EUA. Folha Online, 23 de janeiro de 2008.
Bovespa fecha em alta de 0,82%; Vale e Petrobras puxam recuperação. Folha Online 18 de janeiro de 2008.
Os mercados acompanham de perto os descaminhos da economia americana, atentos a quaisquer indicadores econômicos e declarações de autoridades locais, principalmente do Federal Reserve (banco central dos EUA).
Ontem, Ben Bernanke, titular do Fed, azedou o humor dos investidores ao sugerir, durante testemunho no congresso, que a situação é de recessão iminente. Folha Online, 18 de janeiro de 2008
"TEM DE ESTAR ATENTO. Tem de estar muito atento. Bolsa é assim, a Bolsa é nervosa, a Bolsa se assusta com qualquer coisa, com qualquer sinal de instabilidade.
Portanto, você, que é meu corretor, e que é uma das pessoas mais importantes da minha vida -talvez a pessoa mais importante de minha vida- você tem de me manter informado sobre tudo, sobre os menores detalhes, porque, como você mesmo diz, tudo pode mexer com a Bolsa, tudo.
O quê? O que é que você está me dizendo? O Ben Bernanke está falando sobre economia na tevê? E está franzindo a testa enquanto fala? E quem é o Ben Bernanke? É o presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos?
Então é um cara importante. Eu não sei o que é o Federal Reserve, mas se é coisa federal e é coisa dos Estados Unidos, tem de ser um cara importante.
E você me diz que esse cara franziu a testa? Deus do céu, ele franziu a testa? Ele franziu a testa enquanto falava sobre a economia mundial? Então vende, cara. Vende tudo.
A testa desse cara é decisiva, cara, a testa dele é mais importante que aqueles telões com a cotação das ações. Testa franzida? Ben Bernanke de testa franzida? Vende, cara. Vende tudo, a qualquer preço. Vende logo.
O quê? Ele não está mais franzindo a testa? E você acha que ele pode estar sorrindo? Mas isto é importante, cara. Você acha que ele está sorrindo ou ele está sorrindo mesmo? Ah, está sorrindo mesmo. E por que está sorrindo, cara? Não se sabe? Bem, mas isto pode ser um sinal, cara. Isto pode ser um sinal.
O Ben Bernanke sorrindo, isso pode um ser sinal, um sinal de que as coisas estão melhorando, que os bons velhos tempos voltaram e que daqui por diante vai ser festa e festa. Compra, cara. Compra a qualquer preço.
E agora o Ben Bernanke ficou sério? De repente ele ficou sério? Não diga. Muito sério? Preocupado, quem sabe? Então vende, cara. Vende e vê se consegue um contato com o Ben Bernanke.
Que ele mande um e-mail para a gente explicando o que significa ele franzir a testa, ele sorrir, ele ficar sério. Eu compro esse e-mail por qualquer preço, cara. Eu vendo tudo o que eu tenho, mas eu compro esse e-mail, cara."
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
ALBA ZALUAR
Ser pobre não é desculpa
UM DOS NÓS na discussão sobre violência e criminalidade no Brasil está na correlação entre pobreza e criminalidade que divide a opinião de estudiosos e militantes.
De um lado, os que tomam algumas estatísticas oficiais, fruto do registro policial, como provas de que o problema são os favelados, migrantes e desempregados pobres.
Do outro, aqueles que consideram que ser pobre é desculpa para tudo, inclusive para o homicídio. Tanto um quanto outro estão equivocados.
O registro policial depende de muitas práticas policiais que sempre deram preferência aos pobres neste país, deixando impunes as pessoas de maiores escolaridade e nível de renda quando infringem a lei.
Daí falar-se de profecia autocumprida as estatísticas que mostram apenas crimes cometidos por pessoas pobres. Crimes econômicos e de mandantes só muito recentemente passaram a merecer atenção da polícia, especialmente a federal.
Entretanto, ser pobre não é razão para cometer crimes. Há tempos discute-se a punição dos que cometem crimes graves com o argumento de que não tiveram oportunidades ou alternativas.
Para atividades econômicas ilegais, esse argumento encontra respaldo bastante difundido na população também. Mas nunca para os crimes contra a pessoa, especialmente estupro e assassinato.
Porém há entre militantes de esquerda a propensão para querer as mais severas punições para jovens de classe média que participam de atividade econômica ilegal e o esquecimento ou perdão para os jovens pobres que cometem crimes contra a pessoa, mesmo os mais condenados pela população.
O filme "Meu Nome Não É Johnny" conta a história de um desses jovens de classe média que, sem nem saber como e por que, vão se envolvendo na atividade do tráfico. A história contada é de um daqueles que conseguem manterem-se free-lance sem participar da violência de quadrilhas e comandos.
É um filme emocionante e convincente. Pode ajudar outros jovens a evitar as armadilhas do dinheiro fácil e consumo orgiástico pelos limites da lei e da moralidade.
A cena mais comovente é a que narra a compreensão da juíza sobre a trajetória do jovem e a sua capacidade de recuperação. Os anos de cadeia e de manicômio judiciário são de sofrimento atroz e parecem estar na medida para minar a inconseqüência do jovem.
Só que militantes que defendem o direito do pobre menor assassino ficar livre aos 18 anos preparam um manifesto para criticar essa sentença "leve" que atribuem à família do jovem, à qual pertence famoso advogado defensor dos direitos civis durante o regime militar.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.
RUY CASTRO
O mundo roda
RIO DE JANEIRO - No Brasil é assim. Um festival de jazz, que, por menos jazz que ofereça, é um evento quase que só para adultos, não pode ser patrocinado por uma marca de cigarros -no caso, o Free Jazz e os cigarros idem.
Mas uma roda gigante, como a armada no Forte de Copacabana, aqui no Rio, de apelo basicamente infantil e adolescente, pode ser patrocinada por uma marca de cerveja.
Foi louvável o esforço do então ministro da Saúde, o hoje governador José Serra, de tentar proteger os fãs de jazz -pessoas por tradição marginais, boêmias, não conformistas- dos terríveis males dos cigarros Free.
Lembro-me de que vários desses jazzistas apoiaram com entusiasmo a medida de Serra, enquanto acendiam seus baseados na platéia do ex-Free Jazz carioca.
Claro que a censura antitabagista não visou apenas a um simples festival de jazz, mas à propaganda de cigarros como um todo, nos rádios, TVs, outdoors e, até hoje, onde a vista consiga alcançar. Igual medida, no entanto, ainda não foi tomada quanto à cerveja entre as bebidas alcoólicas.
Nesse governo farto em medidas provisórias, soou estranho que o presidente Lula preferisse mandar sua recente "restrição" à propaganda de cervejas na forma de um tíbio projeto de lei.
Significa que, como terá agora de ser votada pelo Congresso, essa restrição será chutada para as calendas. E que Zeca Pagodinho pode aspirar ao cargo do ministro Temporão.
De duas semanas para cá, as crianças cariocas, expostas aos enormes outdoors da cerveja -digo, da roda gigante- espalhados pela cidade, ficam autorizadas a acreditar que há uma relação mágica entre a beberagem que desce redondo e a visão da praia mais bonita do mundo numa gôndola a 36 m de altura. Ambos, a cerveja e a roda, deixam a criança alta.
Antônio Hohlfeldt
Revelação de grupo santa-mariense
O projeto Porto Verão Alegre propiciou, na semana passada, a primeira boa surpresa da temporada. Trata-se do grupo santa-mariense de teatro Vagabundos do infinito, que trouxe à Capital cinco espetáculos.
Todos foram apresentados no escondido, mas simpático espaço do Teatro Hebraica, que agora tem uma placa de identificação e acessibilidade facilitada ao público em geral.
O grupo interiorano vem a Porto Alegre pela primeira vez.
Mas já tem história e, sobretudo, tem qualidade e personalidade. O diretor Paulo Márcio evidencia criatividade e, às vezes, grande coragem nos encaminhamentos dos espetáculos que assina, contando, para isso, com um grupo de intérpretes bastante afinado.
Das cinco montagens apresentadas em Porto Alegre assisti a duas delas. Ambas foram espetáculos-solo, dos três que foram aqui mostrados, sendo dois outros trabalhos grupais.
Conheci a montagem de Horla, baseado em contos de Guy de Maupassant, e A supermãe porra louca, livre adaptação de um texto dos italianos Dario Fo e Franca Rame.
No primeiro caso, tinha especial curiosidade em conhecer o espetáculo, porque, por extrema coincidência, os mesmos contos haviam sido adaptados em um outro espetáculo, que comentei, inclusive, neste espaço.
Levando-se em conta que não se trata de um texto de teatro, mas de ficção curta, era extremamente interessante que se fizesse a comparação.
Depois de assistido ao trabalho, de cerca de 50 minutos de duração, pode-se dizer que tanto a adaptação foi, de certo modo, mais bem-concretizada do que no trabalho anterior, quanto o intérprete, Leonel Henckes, evidencia boa qualificação para a interpretação de um personagem, que, com toda a certeza, é bem mais velho do que ele.
Um espetáculo simples e despojado, com um bom jogo de luz, um ritmo cuidado e uma entonação bem-elaborada pelo ator, permitiram a concentração da pequena platéia em relação ao texto, enfrentando o forte calor da sala e, sobretudo, o barulho do necessário ventilador que permaneceu em funcionamento.
Ficaram evidentes o acerto da transposição do texto, com boa unidade, e o bom preparo do intérprete, que convence e realmente emociona.
Quanto à peça A supermãe porra louca, diga-se, desde logo, que Márcia Chiamulera, sua única intérprete, é estupenda, não surpreendendo que tenha ganho vários prêmios de melhor atriz nos festivais de que tem participado. Márcia entra em cena e toma por absoluto a atenção de todos.
Felizmente, na segunda noite, o teatro estava cheio e o calor era bem menor, o que propiciou ainda melhor acompanhamento do espetáculo, que, de todo o modo, flui com um ritmo forte graças à boa adaptação do texto e à vivacidade da intérprete, que chega ao cuidado de trabalhar inclusive um sotaque típico de uma italiana a falar português, como ouvimos em nosso interior.
O figurino de Paula Schiafino Zuchetto é colorido e adequado a uma das falas da personagem. É evidente que fazer comédia é mais difícil que fazer drama.
Por isso mesmo, Márcia destaca-se em relação a Leonel. Mas seria injusto com ambos dizer que um é melhor que o outro, porque, por outro lado, a personagem feminina cativa mais, naturalmente, a platéia, do que a personagem masculina.
Na verdade, ambos realizam muito bem suas tarefas, levando-se em conta que os dois espetáculos ocorrem em cena aberta, sem qualquer elemento cênico.
Se a luz auxilia a dramatização de um texto, um banquinho de igreja é o único elemento decorativo da comédia. Isso significa, realmente, que os dois atores possuem força suficiente para concretizar um espetáculo. E isso é o que vale.
Disso tudo, o que se pode registrar, pois, é que se tornou altamente positivo, para o grupo e para o público de Porto Alegre, a oportunidade que o Porto Verão Alegre propiciou a esse grupo, que, necessariamente, deve retornar à Capital para uma verdadeira temporada, evidenciando os talentos de todo o conjunto, a começar por seu mentor e diretor, Paulo Márcio.
Bela homenagem do grupo a Pedro Freire, o grande promotor do teatro daquela cidade, falecido, por casualidade, na mesma semana que passou.
Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.
QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
Porto Alegre não tem Carnaval de bairro. Havia o Carnaval da Santana. Mas acho que desapareceu. No Rio de Janeiro e em boa parte do Nordeste brasileiro, o melhor do Carnaval não tem a ver com os desfiles oficiais. A espontaneidade predomina.
É muito comum se ver em estados como Pernambuco, Bahia ou Alagoas, em qualquer cidade pequena, o povo se preparando para festejar. É uma alegria só. Vi isso, por exemplo, em Tamandaré, em Pernambuco. Uma loucura.
Homens se vestem de mulher, mulheres se fantasiam de monstros, crianças correm atrás de figuras bizarras, caminhões de som incendeiam avenidas ou, simplesmente, grupos andam serpenteando atrás de baterias improvisadas.
Gente de todas as idades 'se acaba' de tanto pular. Tem idoso que dança uma semana sem parar. Há algumas décadas, no interior do Rio Grande do Sul, o povo também se esbaldava nas ruas, a começar pela guerra de bisnagas de água. Todo mundo se soltava.
Pode ser que essa tradição esteja conservada por aí e eu não saiba. Mas, em Porto Alegre, afora o Carnaval oficial, o resto é silêncio. Um triste silêncio um tanto esnobe. A maioria se manda mesmo da cidade.
A parte que fica se esconde. Talvez essa seja a grande diferença entre o gaúcho e o resto do Brasil. Não somos um povo de rua. Só metemos a cara na rua para comemorar título de futebol. Algo que não é visto como muito elegante pelos mais sofisticados.
No Rio de Janeiro, deixando-se de lado o espetáculo da Sapucaí, tem Carnaval para todos os gostos e competências específicas, desde o bloco com mais de 1 milhão de foliões, como o Cordão do Bola Preta, até o bloquinho de 50 puladores desajeitados ou frenéticos num canto de rua qualquer. Basta sair na frente da casa, do hotel, do bar, enfim, e sacudir o esqueleto.
Quando eu era criança, em Santana do Livramento, eu pulava Carnaval nos bailes infantis. Na minha família, certa época, era obrigação fazer quatro noites de folia. Estudante, já em Porto Alegre, andei pelos clubes, mas não encontrei a mesma atmosfera.
Faltava aquele ambiente de cidade do interior que ainda predomina no Carnaval popular de rua no Rio de Janeiro e no Nordeste. Não conheço uma só pessoa em Porto Alegre, nos ambientes que freqüento, que esteja em fase de preparação para o Carnaval.
Tenho a impressão de que o Carnaval, ao contrário de outras festas muito badaladas, como Natal, Dia dos Pais, Dia das Mães e outras do gênero, frustra a nossa população por uma razão muito simples: não é festa de comprar. Não se trata de lotar os centros comerciais para comprar desesperadamente. Salvo uma fantasia pessoal, nada mais há para adquirir.
Aí não tem graça. Nunca consegui entender direito os porto-alegrenses. Acho que Porto Alegre condiciona mesmo quem vem de fora. O sonho de quase todo porto-alegrense é torrar no sol. Eu sou um camponês.
Só de ver o sol já quero procurar uma boa sombra para descansar em cima de um pelego. É por isso que gosto de praia nordestina. Tem árvore. O assunto, porém, é Carnaval. Devo estar condenando injustamente o povo gaúcho.
Vai ver que eu perdi contato com o Carnaval dos nossos bairros e estou culpando todo mundo. Na frente do meu edifício passa uma cavalhada em setembro, mas nunca passa bloco algum em fevereiro. Eu trocava uma coisa pela outra sem pestanejar. Numa boa.
juremir@correiodopovo.com.br
28 de janeiro de 2008
N° 15493 - Paulo Sant'ana
A cruz dos pessimistas
Eu não sei se já me confessei pessimista aqui nesta coluna. Se ainda não o fiz, faço-o agora: eu sou um incorrigível pessimista. Sei lá qual é a origem desta face do meu caráter, até desconfio de que possa ser uma infância áspera, malsucedida.
Tem tudo para ser pessimista um adulto que foi uma criança para quem a vida foi apresentada como uma companheira mal-encarada, mal-humorada e adversa, além de inseparável.
O que sei é que nós, os pessimistas, temos muito menores chances de sermos felizes que os otimistas. Por exemplo, peguemos dois jovens, um pessimista, outro otimista.
Ambos se inscrevem no vestibular. Nos seis meses que antecedem o vestibular, o jovem pessimista sofre esses 180 dias de forma dilacerante: simplesmente porque ele crê que não vai passar no vestibular.
O pessimista é assim: ele antecipa a tristeza e a tragédia. Então ele fica demolido durante 180 dias porque vai ser reprovado no vestibular. Bota tristeza e depressão nisso.
Voltemos nossa atenção agora para o jovem otimista. Ele crê convictamente que vai ser aprovado no vestibular. E durante os 180 dias o nosso jovem otimista goza intensamente a alegria que vai ser sua aprovação.
Ele se mostra contente, faz planos, sua vida se torna leve, ele se mostra bem-humorado com os outros, a existência lhe sorri promissoramente.
Enquanto isso, o nosso jovem pessimista carrega a cruz da reprovação antecipada no vestibular, todos seus dias decorrem sob a sombra da catástrofe, sobrevém-lhe até a vontade de desaparecer da face da Terra, não lhe dá vontade nem de conversar com ninguém.
E com o jovem otimista é festa e festa, ele já está até gastando por conta da sua aprovação.
Até que chega o dia do vestibular e logo em seguida o dia da divulgação do resultado do vestibular. Para a legitimidade da minha tese, o resultado do vestibular tem de ser igual para os dois.
Pois o resultado é o seguinte: os dois jovens, o pessimista e o otimista, são reprovados no vestibular. Qual é então o balanço na vida dos dois jovens? Evidentemente que os dois ficam arrasados com a reprovação.
Só que o pessimista resta triste, infeliz, desolado, depois do vestibular, mas antes do vestibular ele já era um farrapo humano, um homem destroçado.
Enquanto que o otimista só resta infeliz, triste e desolado após o vestibular, antes ele foi um ser alegre, realizado e festivo.
Visivelmente, quem sofreu mais foi o pessimista. O otimista só sofreu a metade do que sofreu o pessimista.
Mesmo que os dois tivessem passado no vestibular, a conta seria a mesma: alegres os dois seriam depois do vestibular.
Mas é preciso levar em conta a tristeza, a desolação, o arrasamento do pessimista antes do vestibular, nos longos e massacrantes 180 dias que ele passou massacrado pela certeza da desaprovação.
Este é o malsinado destino nosso, os pessimistas: nós vivenciamos catástrofes que não nos acontecerão, nós nos adiantamos aos fatos, julgando que eles, quando sobrevierem, nos serão desfavoráveis.
E mesmo quando somos brindados pela vida ou pelo destino com fartas e estupendas benesses existenciais, logo imaginamos que em seguida elas cessarão os seus efeitos e darão lugar a largas e extensas amarguras.
Já os otimistas, pelo contrário, podem ser atingidos pelos maiores desastres, a seguir põem na cabeça que se safarão dessa dificuldade e o sol da vida lhes nascerá fértil e esplendoroso.
Pode até não existir a felicidade, mas se ela existir, os otimistas serão aqueles que a abraçarão.
(Crônica publicada em 8/07/2001)
28 de janeiro de 2008 | N° 15493
Fernando Verissimo
Com o risco de perder as orelhas
David Mamet é um escritor e diretor americano que faz peças e filmes realistas, às vezes com títulos enigmáticos, e uma boa dose de cinismo. Seus textos têm humor mas não têm piadas.
Ou não tinham, até agora. Sua última peça, November, que vimos em Nova York na semana passada, é uma comédia que Neil Simon ou Woody Allen poderiam ter assinado.
Talvez pelo fato de a ação se passar no gabinete oval da Casa Branca e ser sobre um presidente em final de mandato que todos odeiam, a tentação de fazer uma farsa era inescapável, e as piadas se sucedem.
Embora não haja nenhuma referência direta a Bush a identificação com o atual ocupante da Casa Branca é instantânea e a platéia aplaude em cena aberta todas as alusões à atualidade, como o fiasco no Iraque, as ameaças de guerra com o Irã e os baixos índices de popularidade do presidente, e todas as trapalhadas do pseudo-Bush.
Ajuda o tom de comédia farsesca o fato do presidente ser interpretado por Nathan Lane, com seu estilo de humor nada sutil.
Os textos de Mamet para o teatro até hoje requeriam do público uma certa paciência com a ambigüidade. Neste caso Mamet está
tratando com um dos poucos assuntos nacionais americanos sobre os quais nenhuma ambigüidade é possível.
Mamet não sucumbiu às piadas fáceis. É que não havia outro jeito de escrever a peça senão levando o absurdo do governo Bush ao extremo da comédia burlesca.
Na peça o assessor do presidente declara que os Estados Unidos não podem construir um muro na fronteira para impedir a entrada de mexicanos.
- Por que não? - quer saber o presidente.
- Porque precisamos dos mexicanos para construir o muro.
A platéia vem abaixo.
Duke Ellington era um pianista competente, mas dizia que seu verdadeiro instrumento era sua orquestra. Count Basie também "tocava" a sua orquestra, recorrendo ao piano apenas para esparsos comentários. Gil Evans, a mesma coisa.
O maior exemplo dessa linhagem, hoje, é a Maria Schneider, que dispensou o piano e interpreta suas composições e seus arranjos regendo sua grande orquestra, sem intermediários.
Fomos ouvi-la no Jazz Standard, em Nova York. É sensacional ver aquele fiapo de mulher arrancando o sonzão de 18 músicos com as mãos, sem precisar de chicote.
Ela, o velho McCoy Tyner tocando com o Joe Lovano no Blue Note, uma exposição do Alfredo Burri (grande abstracionista italiano) em NY, a exposição definitiva do Edward Hopper na National Gallery de Washington e a peça do Mamet mais que compensaram o risco de perder as orelhas com o frio.
domingo, 27 de janeiro de 2008
I N Í C I O
Quando você começar a pensar que algo está completo, começará a ficar morto. A perfeição é morta; assim, os perfeccionistas são suicidas.
Desejar ser perfeito é uma maneira indireta de cometer suicídio. Nada jamais é perfeito, não pode ser, porque a vida é eterna.
Nada jamais se conclui. Não existe conclusão na vida - apenas pontos cada vez mais elevados. Quando você atinge um ponto culminante, um outro está desafiando-o, chamando-o, convidando-o.
Assim, lembre-se sempre de que onde você estiver é sempre um início. Então você sempre permanece uma criança, você permanece virgem.
E esta é toda a arte da vida: permanecer virgem, permanecer novo e jovem, não corrompido pela vida, não corrompido pelo passado, não corrompido pela poeira que normalmente se junta nas estradas da jornada. Lembre-se: cada momento abre uma nova porta.
Isso é muito ilógico, porque sempre pensamos que, se houver um começo, deverá haver um fim. Mas nada pode ser feito. A vida é ilógica: ela tem um começo, mas não um fim.
Nada que está realmente vivo jamais termina, mas segue continuamente em frente.
- OSHO -
DANUZA LEÃO
Paris e a gastronomia
A partir daí, comecei a prestar mais atenção à carta dos restaurantes e descobri outras coisas instigantes
PARIS (a última) - A gente pensa -eu pensava- que, por ter estado tantas vezes na França, e até morado lá, entendia alguma coisa da cozinha francesa. Nem estou falando da mais moderna, mas da antiga, tradicional; qual nada.
A cada viagem, na companhia dos que entendem e prestando muita, mas muita atenção, chego, cada vez mais, à triste conclusão de que não entendo absolutamente nada dos segredos da gastronomia francesa.
Na minha última viagem, convidada por amigos, fui parar pela primeira vez num Bistrot à huitres, isto é, um bistrô onde só servem ostras.
Eu sabia que existem várias famílias de ostras; no inverno, é só passar na porta de um restaurante que as sirva, e do lado de fora, na rua, em cima de uma mesa, estão todas elas expostas, cada tipo dentro de uma cesta cheia de algas, com uma etiqueta em cima com o nome da qualidade. Até aí, tudo bem, tudo normal.
Mas nesse restaurante a coisa era bem mais complicada. Éramos seis, e o garçom foi perguntando a cada um qual o tipo que queria; só que a variedade é muito maior do que eu teria jamais imaginado.
Ficamos todos meio sem saber o que pedir, quando alguém teve a grande idéia: uma grande bandeja com vários tipos de ostra. Aleluia, a pátria estava salva.
Daí a pouco chegou um prato imenso, com oito qualidades diferentes, e tão lindo, que se eu tivesse uma maquininha, teria tirado uma foto. Mas a vida não é simples: o garçom explicou qual tipo deveria ser comido em primeiro lugar, qual em segundo, qual em terceiro, e assim por diante.
É claro que não guardei a ordem das coisas -será que alguém guardou?-, só da que deveria ser comida em primeiro lugar e a em último.
Fiquei um pouco atordoada com o lado cultural da experiência, e depois, conversando com amigos franceses, soube de mais coisas: que quase todo tipo de ostras é numerado pelo tamanho. Existem as 0, as 00, as 000, as 1, 2, 3 e 4, e os franceses já pedem dizendo a qualidade e o tamanho que preferem.
Além de tudo isso, há um tipo que só existe em raros restaurantes, e que só aparece dez dias por ano, que se chama a pérola dos tzars -a mais cara, é claro. Não é fácil, a França.
A partir daí, comecei a prestar mais atenção à carta dos restaurantes e descobri outras coisas tão instigantes quanto as ostras.
Um queijo parmezón, por exemplo, pode ter seis meses, ou 12, ou 18, ou 36, de maturação, e os presuntos também.
Além disso, existem as sardinhas millesimés, que levam de dois a seis anos para atingirem o máximo de seu sabor.
Essas -dizem- são maravilhosas. E em alguns restaurantes vem escrito na carta a procedência do pão e da manteiga.
Não vou falar dos queijos -são mais de 300-, nem dizer que existem os meses mais indicados para comer cada um deles, e que quando o garçom chega com a bandeja, dirige o espetáculo dizendo em que ordem devem ser provados, sendo que cada um com um determinado vinho; dos vinhos, é claro que não vou falar.
Detalhe: qualquer francês sabe de tudo isso na maior naturalidade, tanto os brasileiros sabem qual cerveja preferem.
E ainda há quem pense que é fácil sentar num restaurante de Paris para jantar.
P.S.: A proibição de fumar nos restaurantes e cafés criou um problema: como nas mesas que ficam nas calçadas o fumo é permitido, o chão fica coberto de pontas de cigarro, o que está poluindo a cidade.
Já se fala em multar quem jogar um cigarro na rua, e uma nova indústria está florescendo: a dos cinzeiros individuais, com tampa, para levar no bolso.
danuza.leao@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
Desligar o piloto automático
DAVOS - Está chegando a hora em que o governo brasileiro será cobrado, pelo mundo rico, a desligar o piloto automático com que vem sendo conduzida a economia a rigor desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Até agora, foi só apertar o botão "enter" e rodava o programa ortodoxo: superávit fiscal primário muito elevado; câmbio flutuante, mas que levou o real a flutuar sempre para cima; e política monetária apertada (juros altos).
Bom, ontem, até o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, cobrou mais gastos governamentais, nos países que têm margem de manobra, para içar o mundo da crise. O Brasil tem margem? Eu acho que sim, porque o governo arrecada mais do que gasta, se forem excluídos os juros.
Gastos com juros são entesourados, não voltam para o consumo. E estimular o consumo é outra recomendação consensual do mundo de Davos.
A pregação de Strauss-Khan certamente fortalecerá a mão daqueles que querem gastar mais no governo.
Dois: baixar os juros é o clássico remédio para desacelerações econômicas. O Banco Central aponta para o inverso. Qual será a pressão externa para que o Brasil gaste mais e ajude os ricos?
Três: câmbio. A pressão está claramente centrada na China, cuja moeda é muito desvalorizada, mas há um certo clamor por um ajuste cambial global que elimine ou reduza os evidentes desalinhamentos. Se e quando houver essa mexida geral, o real sofrerá conseqüências que ainda não estão à vista.
Vale (inclusive para o Brasil, pouco falado em Davos) o resumo do debate de ontem sobre o panorama econômico mundial, feito por Martin Wolf ("Financial Times"): "O tamanho da crise vai depender das ações que forem adotadas".
Ação é o inverso exato de piloto automático.
ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Turbulências financeiras
EM MENOS DE um ano, tivemos três turbulências graves no mercado financeiro. Em março de 2007, a forte queda da Bolsa da China (9%) contaminou o mundo. No segundo semestre, foi o abalo do "subprime". Agora é o medo da recessão nos Estados Unidos.
Esse medo levou as autoridades do Federal Reserve a reduzirem a taxa de juros, instantaneamente, em 0,75 ponto percentual, podendo chegar a um ponto.
Alguns viram nisso um bálsamo para estimular os empréstimos e ativar o consumo. Outros interpretaram o gesto como a senha de uma crise grave e duradoura.
O fato é que ninguém sabe se os Estados Unidos passarão por uma recessão ou por uma desaceleração. É verdade que a economia mundial já não depende só dos americanos.
Os europeus, os chineses, os indianos e outros emergentes, como o Brasil, já possuem uma economia doméstica pujante.
Mas essa tese do descolamento tem seus limites. Afinal, os Estados Unidos respondem por mais de 30% das compras do mundo.
Os bancos centrais não podem forçar as pessoas a consumir assim como os consumidores podem forçar os bancos a emprestar. Isso é feito pela taxa de juros.
Acredito que a redução atual, combinada com os estímulos do governo americano ao colocar mais dinheiro no bolso dos consumidores, venha a elevar as compras. Mas isso não ocorre do dia para a noite. Temos de contar com um certo esfriamento do consumo naquele país por vários meses.
E o Brasil, como fica nisso? Não podemos dizer que estamos imunes à crise. Somos parte do mundo. Mas não vejo razão para pânico, pelo menos em 2008.
Mesmo que as nações mais desenvolvidas desacelerem, todas continuarão necessitando dos produtos brasileiros, pois são eles que alimentam seus povos e garantem os insumos para a produção industrial. Prevejo uma leve desaceleração, mas, ainda assim, cresceremos uns 4,5% ou até 5%.
O que mais me preocupa, porém, são os constrangimentos internos, como a falta de energia, as estradas despedaçadas, os portos congestionados, a burocracia alucinante e, sobretudo, a possibilidade de o Brasil manter -e até subir- a Selic.
Com taxas externas cadentes (hoje 3,5%) e internas ascendentes (hoje 11,25%), mais a isenção de impostos, podemos ter uma invasão dos especuladores externos, derrubando o dólar para o patamar de R$ 1,50 -o que dificultará nossas exportações.
Ou seja, nosso futuro depende em grande parte de realizarmos as lições de casa que estão muito atrasadas, porque o Brasil é grande e privilegiado.
antonio.ermirio@antonioermirio.com.br - ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES escreve aos domingos nesta coluna
JOSÉ SIMÃO
Carnaval 2008! É proibido pensar!
E um outro disse que vai fazer retiro espiritual: leva o espírito para um retiro e deixa o corpo no litoral!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Faltam cinco dias para a Grande Festa da Esculhambação Nacional! E está lançada a enquete "Onde você vai passar o Carnaval?":
1) No retiro. Retiro e ponho. Retiro e ponho. Retiro e ponho!;
2) Na janela do carro, tomando sol no braço;
3) Fazendo a dieta da sopa: deu sopa, eu como!;
4) Em Curitiba, e com a namorada menstruada;
5) Vou passar no pão, porque a manteiga tá cara! Rarará.
E um outro ainda disse que vai fazer retiro espiritual: leva o espírito para um retiro e deixa o corpo no litoral. Espírito atrapalha o Carnaval!
De hoje em diante: É PROIBIDO PENSAR! E o líder da oposição, o senador Arthur Virgílio, patrocina um bloco em Santarém, no Pará, chamado Eu Não Dou o Meu Cuatí!
Já sei, é um dado biográfico! E aí junta com aquele bloco de Olinda Já que Tá
Dentro, Deixa e fica assim: eu não dou o meu cuatí, mas já que tá dentro, deixa! Rarará! E na Bahia já é Carnaval.
Há anos! E o novo ministro das Minas e Energia é o Edison Lobão. Errado. Ele devia ser ministro da Previdência.
Pra comer umas vovozinhas. Até pra nomear o óbvio, o governo erra. E dia 6 de janeiro foi Dia de Reis. No mundo todo. Menos na Venezuela.
O Chávez proibiu comemorar os três Reis Magos. Porque se um rei só mandou ele calar a boca, três reis iam mandar ele à merda. Rarará!
E a Britney Spears tá namorando um paparazzo. Claro, ela só conhece paparazzi. Nem os filhos ela pode ver. Aliás, um amigo me disse que a Britney é pior que macumba. Pelo menos macumba a gente despacha.
Rarará.
E o Lula vai lançar um programa pra acabar com a dengue e a febre amarela: é o FIM DA PICADA! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.
É que em Nova Iorque, sul do Maranhão, tem uma lanchonete chamada MaCaxeira. Rarará! Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Lula": molusco que virou presidente da República. Rarará.
O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!
simao@uol.com.br
sábado, 26 de janeiro de 2008
27 de janeiro de 2008
N° 15492 - Martha Medeiros
Lá na infância
Por mais que tenhamos recebido afeto, é na infância que começamos a nos formar e a nos deformar
Qualquer pessoa que já tenha se separado e tenha filhos sabe como a gente se preocupa com a reação deles e procura amenizar qualquer estrago provocado por essa desestruturação. É preciso munir-se de muito respeito, delicadeza e amor para que essa ruptura seja bem assimilada e não produza traumas e inseguranças.
Muito do que somos hoje, do que sofremos e do que superamos, tem a ver com aquele lugar chamado "infância", que nem sempre é um paraíso. Por mais que tenhamos brincado e recebido afeto, é lá na infância que começamos a nos formar e a nos deformar através de medos, dúvidas, sensações de abandono e, principalmente, através da busca de identidade.
Por tudo isso, estou até agora encantada com a leitura de Marcas de Nascença, fenomenal livro da canadense Nancy Huston e que deixo como dica antes de sair de férias.
O livro é narrado por quatro crianças de uma mesma família, em épocas diferentes, todas quando tinham seis anos: primeiro, um garotinho totalmente presunçoso, morador da Califórnia, em 2004. Depois, o relato do pai dele, quando este também tinha seis anos, em 1982. A seguir, a avó, em 1962, e por fim a bisavó, em 1944.
Ou seja, é um romance genealogicamente invertido, começando logo após o 11 de Setembro e terminando durante a Segunda Guerra Mundial, mas é também um romance psicanalítico, e é aí que se torna genial:
relata com bom humor e sem sentimentalismo todo o caldeirão de emoções da infância, mostrando como nossas feridas infantis seguem abertas a longo prazo, como as fendas familiares determinam nossos futuros ódios e preconceitos e como somos "construídos" a partir das nossas dores e das nossas ilusões.
Mas tudo isso numa narrativa sem ranço, absolutamente cativante, diria até alegre, mesmo diante dessas pequenas tragédias íntimas.
A autora é bastante conhecida fora do Brasil e ela própria, aos seis anos, foi abandonada pela mãe, o que explica muito do seu fascínio sobre as marcas que a infância nos impõe vida afora.
É incrível como ela consegue traduzir os pensamentos infantis (que muitas vezes são adultos demais para a idade dos personagens, mas tudo bem), demonstrando que toda criança é uma observadora perspicaz do universo e que não despreza nada do que capta: toda informação e todo sentimento será transformado em traço de personalidade.
Comecei falando de separação, que é o fantasma familiar mais comum, mas há diversas outras questões que são consideradas "linhas de falha" pela autora e que são transmitidas de geração para geração.
Permissividade demais gerando criaturinhas manipuladoras, mudanças constantes de endereço e de cidade provocando um desenraizamento perturbador, o testemunho constante de brigas entre pessoas que se dizem amar, promessas não-cumpridas, pais que trabalham excessivamente, a religião despertando culpas, a política induzindo a discordâncias e exílios, até mesmo uma boneca muito desejada que nunca chegou às nossas mãos: tudo o que nos aconteceu na infância ou o que não nos aconteceu acaba deixando marcas para sempre. Fazer o quê?
Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria. Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas.
Excelente domingo para todos nos.
27 de janeiro de 2008
N° 15492 - Paulo Sant'ana
Débitos e créditos
Eu queria passar para os meus leitores o que pode se considerar uma regra de comportamento - ou se quiserem um truque - para ser feliz.
Esse estratagema tem-me auxiliado profundamente nos últimos meses na luta da vida.
É simples, mas é daqueles óbvios que se oferecem para a gente e nós não percebemos a oferta ou não a aproveitamos.
A felicidade é um estado de espírito. Ou você se considera feliz ou você não se considera feliz. Aliás, muitas vezes é mais importante considerar-se feliz do que ser feliz.
É preciso sempre colher-se o momento que passa, porque não há vida mais desperdiçada do que aquela definida no samba antológico de Ataulfo Alves, que contém um verso definitivo: "Eu era feliz e não sabia". Isso é trágico.
É preciso saber-se que se é feliz.
É preciso encarar a vida como uma conta no banco. A conta tem créditos e débitos. A vida tem prazeres e tormentos.
O segredo está em administrar a conta do banco, de tal sorte que há que se ter contentamento tanto quando saem os débitos quanto quando entram os créditos. O vital é manter-se a conta, tendo em vista que os débitos são necessários para conquistarem-se os créditos.
É fundamental conhecer-se que a vida tanto dá quanto cobra. É difícil, mas cumpre ter-se prazer e festejar quando sai o débito, não só quando entra o crédito.
O que importa é que a conta mantenha-se aberta, isto é que a vida continue estuante. Até mesmo porque é imperioso que se racionalize, se se quiser ser feliz, que a vida não pode ser só constituída de benesses, mas inevitavelmente também de adversidades.
Eu não estou querendo que os meus leitores atinjam a perfeição existencial dos sábios, que sentem prazer no sofrimento. Como dizia o meu poeta sábio preferido, Augusto dos Anjos:
"Bati nas pedras de um tormento rude/ e a minha mágoa de hoje é tão intensa/ que eu penso que a alegria é uma doença/ e a tristeza é a minha única saúde". Seria exigir demais. Mas a minha verdade roça por aí.
É preciso que a tristeza, a preocupação, os problemas todos, até mesmo o drama, nos encontrem mobilizados para a vida e para a felicidade.
Nós só seremos capacitados para a alegria, o contentamento interior e a felicidade se soubermos suportar com galhardia, ou até mesmo com prazer, todas as contrariedades. Isto consiste em compreender como naturais e absolutamente concernentes à vida todos os percalços que constituem o sofrimento.
Eu não estou dizendo novidades. Milhões de pessoas admiráveis ostentam no rosto e nos gestos uma luminosa alegria, embora seu íntimo se corroa de tristezas. Estas são as que entenderam a vida e que erguem o mundo.
Eu estou só tentando encorajar a serem felizes e otimistas as pessoas que como eu se deixaram ou se deixam abater pelos obstáculos, fracassos ou até mesmo desgraças, sem perceberem que isso é também constante na vida e na conta do banco, absolutamente necessário para que se possa curtir agora ou vir a obter logo em seguida aquilo que mais se almeja: a felicidade.
Em suma, a vida, em todo o dia que se acorda de manhã, tem que nos apanhar mobilizados para a felicidade. E quando aparecer a infelicidade, a gente tem de gritar impávido para ela: "Não vem, que não tem".
Tomara que me tenham entendido.
27 de janeiro de 2008
N° 15492 - David Coimbra
Uma história de traição
A namorada de um amigo meu, o pezinho dela é número 35. O que é uma sorte para ele, vocês sabem como são as mulheres que calçam 35, ah, claro que vocês sabem...
Trata-se de um homem bem-sucedido, o meu amigo. Ganha um bem fornido salário a cada dia 5, e sabe como usufruí-lo no restante do mês.
É dono de gosto requintado, aprecia vinhos finos, fuma charutos olorosos, dirige carros rápidos e mora numa suntuosa cobertura, com piscina, salão de jogos e tevezona de tela plana.
Ocorre que, não faz muito, ele resolveu reformar a cobertura. Em meio às obras, aconteceu de o meu amigo envolver-se com outra mulher que não sua namorada de pé 35.
O pudico leitor, nesse momento, deve estar escandalizado: "Um adúltero!" Sim, também me escandalizei, ao saber da história, e o admoestei severamente, mas, que fazer?, há pessoas assim no mundo...
Desta forma, mesmo sem minha aprovação, meu amigo conduziu a moça para sua cobertura e... oh!, fez amor com ela. Horas depois de o ato lascivo ter sido consumado, porém, a namorada traída foi visitá-lo.
A Outra já tinha ido embora, não restavam nem os eflúvios do pecado, meu amigo sentia-se seguro, ao recebê-la. No entanto, a namorada chegou, entrou na cobertura e, antes mesmo de dizer oi, benzinho, berrou:
- Mas o que é que é isso???
- Isso o quê? - quis saber meu amigo, já olhando para os lados, temendo ter deixado alguma prova à vista.
- Pegadas! - exclamou a namorada.
- Pegadas???
Pegadas, de fato. A Outra havia deixado pegadas no pó gerado pelas obras de reforma do apartamento e a namorada, uma autêntica discípula do detetive Columbo, descobriu. Meu amigo, aflito, tentou a saída clássica:
- Ora, Tiutiuquinha, essas pegadas são tuas!
Ao que ela lhe desferiu a estocada fatal:
- Não são! Essas pegadas são de alguém que tem o pé menor do que o meu!!!
E, realmente, a Outra tinha pé ainda menor do que o da namorada. A Outra, pequeninha, jeitosinha, de nádegas empinadinhas e seios... bem, o que interessa é que a Outra calçava 33.
Meu amigo alarmou-se ao constatar que a namorada estava com a razão, que as pegadas da Outra eram mesmo uma coisinha delicadinha e pequeninha e... enfim, ele ficou nervoso. Mas reagiu rapidamente.
A namorada já rosnava de fúria, já parecia pronta para tomar alguma atitude violenta, quando meu amigo, sem perder o sangue frio, fazendo luzir um sorriso plácido sob o nariz adunco, explicou:
- Aaaah, Tiutiuquinha, isso é coisa do anão.
A namorada piscou, perplexa: - Anão?
- É - confirmou ele. - Foi o anão. - Que anão???
- Simples, Tiutiuquinha, simples: é que a empresa que está fazendo essa reforma no meu apartamento é muito profissional...
- E o que é que tem isso???
- Já explico. Olha ali em cima. Aquele andaime.
Ela olhou.
- É preciso fazer obras naquele vão - prosseguiu meu imaginoso amigo. - E, como você está vendo, o espaço é muito pequeno! Então, eles têm um anão para fazer esse tipo de serviço. E foi isso: o anão veio aqui, subiu no andaime e fez o trabalho que só um anão poderia fazer!
A namorada ficou olhando-o, boquiaberta. E acreditou!
Eu cá tenho uma explicação para a credulidade dela. Deu-se graças à criatividade dele. Uma justificativa assim colorida comove o ouvinte, mesmo que seja inverossímil, ou até por isso. Ao contrário das justificativas dos treinadores para as más atuações dos seus times. Abel, por exemplo, atirou a responsabilidade pelo fraco desempenho do Inter contra o Veranópolis no vento.
Que desculpinha! Ninguém levou a sério. Melhor seria se Abel tivesse culpado o anão. Eu, a partir de agora, sempre vou colocar a culpa no anão!
As línguas de Guimarães
Uma vez, há muito, muito tempo, Guimarães Rosa foi dar uma entrevista e, ao discorrer sobre as línguas que dominava, disse:
"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo. Leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado). Entendo alguns dialetos alemães.
Estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês. Bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal."
Um cara, para fazer tudo isso que Guimarães Rosa fazia, evidentemente não pode ver TV nem se dedicar muito às mulheres, que são atividades que demandam tempo. E, o mais importante, não haverá de depender só do esforço.
Não. Talento é indispensável. Vocação. Já contei, por exemplo, a história de uma senhora aqui de Porto Alegre mesmo, que, ao completar 60 anos de idade, suspirou:
- Como é bom completar sessenta anos! Agora não preciso mais fazer inglês nem sexo!
É que, realmente, para fazer inglês e sexo é necessário algum esforço, e essa senhora deve ser uma vítima da preguiça. E da genética. Sem propensão, qualquer atividade fica mais difícil.
É o que digo a respeito de atacantes. Só com esforço, atacante nenhum prospera. Há que se ter talento, nem que seja para empurrar a bola para baixo da trave, e nada mais. Prestem atenção, dirigentes: zagueiro se faz com treino e suor; atacante, não!
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