segunda-feira, 6 de maio de 2024


06 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

Sirvam nossas façanhas de modelo

Quando viajamos, quando estamos longe de nosso Estado, basta que alguém diga que é gaúcho para se criar uma súbita intimidade. Viramos melhores amigos simplesmente pela origem em comum. Não nos importamos com a profissão distinta, as opiniões contrárias. Porque um entende o que o outro já sofreu de revezes e reviravoltas na vida.

Mais do que o sotaque mútuo, a partilha da terra natal, ser gaúcho é um destino. Por onde andamos, sempre levamos o nosso apego, a nossa tradição, a nossa milonga, a nossa maneira peculiar de contar piadas, a nossa sinceridade tão direta e tão incompreendida.

Não há cobertor que não se transforme em poncho. Não há rédea curta. Não há tristeza que nos derrube. Somos veteranos no mate amargo. Nossa escola não é da doçura, das facilidades.

Perceba que tudo em nós grita belamente: a voz tonitruante de Elis, as cordas do violão de Yamandu, a gaita de Borghetti. Falamos gritado, pois já partimos do princípio de que não seremos ouvidos. E dificilmente nos escutam. Não é paranoia, mas lição da resiliência.

Não que a dor tenha nos ensinado alguma coisa, estamos longe de ostentar figuras masoquistas. Nossa esperança é que alfabetiza a dor desde o quadro verde da escola. Mesmo falidos, destruídos, devastados, temos esperança. Ninguém arranca a nossa esperança.

Se precisamos despertar às 6h, acordamos duas horas antes para mostrar que disposição não é sacrifício. As estrelas já nos garantem a luz fundamental. No momento em que o gaúcho põe algo na cabeça, o coração vai na garupa.

Existe uma força inacreditável dentro de nós. Uma resistência de agricultor, uma garra de colono, uma insônia daqueles que perdem lavouras inteiras e, no dia seguinte, recolhem os caules mortos e abrem os sulcos do chão para plantar tudo de novo.

Está em nossos genes, em nosso DNA, jamais desistir, das Reduções Jesuíticas à Revolução Farroupilha, da carta-testamento de Getúlio Vargas à Cadeia da Legalidade nos porões do Palácio Piratini. Somos derrotados, nunca aniquilados. A extinção não nos conhece.

Buscamos o que é justo, o que é justo é nosso. Quantas vezes perdemos o nosso rincão, quantas vezes o colocamos de pé? Estamos experimentando a pior crise ambiental do Estado. Cidades destruídas, estradas bloqueadas, barragens rompidas. São mais de 70 mortes, dezenas de desaparecidos.

Tudo poderia provocar a mais imensa desolação, a completa imobilidade. E não vejo ninguém parado. Ninguém inerte pelo pânico. Nós vamos mostrar como somos capazes de nos reinventarmos. Como somos capazes de nos ampararmos. Como somos uma família.

Quando um gaúcho sofre, todos os gaúchos sofrem junto. Faremos uma mobilização sem precedentes. Haverá gentileza no desespero. Haverá cuidado e unguento na ferida. Haverá igualdade nos recomeços.

Só no Rio Grande do Sul se canta o hino regional de cor e salteado. É melodia de arquibancada. É canto de torcida. Não fingimos com a boca. Berramos o que verdadeiramente sentimos.

Venha comigo?

"Mostremos valor, constância,

Nesta ímpia e injusta guerra.

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda terra,

De modelo a toda terra.

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda terra".

CARPINEJAR

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