09/06/2017 02h00A Flip, os refugiados e a questão sobre a inevitabilidade das guerras
C. Hélie/Éditions Gallimar/Divulgação | ||
A escritora ruandesa Scholastique Mukasonga |
A cada ano, espero com ansiedade a lista de autores que estarão em Paraty. Nem sempre vou à Flip, mas criei o hábito de ter contato com autores por mim desconhecidos a partir dos que irão em julho à festa literária.
Neste ano, para além do acerto em homenagear Lima Barreto, encontro no programa uma mesa que reúne a escritora ruandesa tutsi Scholastique Mukasonga e a brasileira Noemi Jaffe. Ambas falarão de genocídios, mas terão também que abordar o difícil tema dos refugiados.
Li com interesse o livro de estreia de Scholastique, "Baratas", em tradução livre do inglês. Nele, em diversas passagens, a autora descreve o que é viver no exílio, como refugiada. Num certo momento, mostra como seu pai e outros homens da aldeia evitavam mudar os hábitos, inclusive alimentares, que traziam de sua comunidade em Ruanda para "não perderem a dignidade", o que lhes parecia ser o mal maior.
Fugiam da violência que acometia os tutsis, num prelúdio do que seria, um pouco mais tarde, o genocídio. É um relato que se repete em textos históricos e obras literárias: o refugiado não sai de seu país ou região porque deseja aventuras ou consumir bens ou comidas diferentes, sai porque não tem opção.
Por trás das decisões de migrar há quase sempre o problema das guerras, declaradas ou não. E como lidar com a questão dos deslocamentos ou nomadismos involuntários, senão ajudando a evitar as guerras nos locais de origem dos refugiados, fortalecendo a paz?
A escritora canadense Margaret MacMillan, ao analisar em obra de 2013 o processo que levou à Primeira Guerra e, indiretamente, à Segunda, em que massivos deslocamentos populacionais ocorreram, acumulando sofrimentos ligados a perdas de pessoas e de raízes, mostra que, até quase o último momento, o conflito poderia ter sido evitado.
Mas os nacionalismos exacerbados e o desejo de fazer cada pátria grande aos olhos de seus habitantes ou líderes não permitiram que o movimento fosse freado e o populismo prevaleceu.
Curiosamente isso se passou numa Europa que já tinha investido de forma vigorosa em acesso à educação e que prezava a cultura e as ciências. A verdade é que não basta garantir a educação para se preservar a paz; a política e a diplomacia contam muito e o currículo ou o que é ensinado nas escolas contam também.
Felizmente, nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, recentemente aprovados pela ONU, inclui-se a ideia de formar jovens para a cidadania global, para que a próxima geração possa eventualmente construir um mundo melhor, em que ninguém tenha que deixar seu país contra sua própria vontade.
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