Em congresso de cirurgia plástica, Dallagnol questiona: 'Somos golpistas dos golpistas?'
Marcelo Justo/Folhapress | ||
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, na 37ª Jornada Paulista de Cirurgia Plástica |
O procurador Deltan Dallagnol, 36, entra no Grand Hyatt Hotel. O primeiro estande à vista exibe amostras de próteses de silicone.
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o paranaense de Pato Branco está em São Paulo a convite da ala paulista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). É o palestrante mais esperado desta quarta-feira (14), primeiro dia de uma jornada que discute o mercado das operações estéticas. Está lá para defender o legado da operação que toca há três anos e já pôs na cadeia figurões como Eduardo Cunha e Marcelo Odebrecht.
O procurador dividiu o rol de palestrantes com especialistas em áreas como gluteoplastia e mamoplastia (intervenções no glúteo e nas mamas). Dallagnol foi remunerado pela atividade, mas a SBPC não informou a quantia. A Folha apurou que, em eventos afins, ele costuma doar 90% do pagamento para entidades filantrópicas e ficar com 10% para despesas pessoais. Lá pelo meio de sua exposição, combate a ideia de uma Lava Jato seletiva contra "partido A ou B".
"Nós antes éramos os golpistas. Agora nós somos os golpistas dos golpistas? Eu fico confuso", afirma, lembrando que a operação vira e mexe acusada de ser algoz do petismo atingiu outros partidos –como o presidente Michel Temer (PMDB) e o senador Aécio Neves (PSDB).
Seu discurso na noite seria sobre ética no trabalho, dizia a assessoria de imprensa do evento. Na hora, Dallagnol faz um apanhado de seu recém-lançado "A Luta contra a Corrupção".
O livro, que entremeia sua trajetória pessoal na Lava Jato com uma discussão sobre a corrupção no Brasil, foi posto à venda por uma livraria, um ponto fora da curva entre tantas outras baias que promoviam acessórios para lipoaspiração e novas tecnologias do silicone.
Naquela que foi chamada de "conferência especial", o procurador adota a linguagem dos "nativos". "O país está desfigurado. Precisamos de uma cirurgia reconstrutiva. Acho que vim no lugar certo para pedir ajuda", diz a certa altura da apresentação.
Outra metáfora à moda da casa: "Você já teve um paciente que se olhava no espelho e se achava mais bonito do que era?". Pois bem, "o Brasil se olhava no espelho e se achava mais bonito do que era. A corrupção vende ilusões". O cirurgião plástico Rolf Gemperli o apresenta como "uma daquelas pessoas que estão preocupadas com o futuro do nosso país". Avisa à audiência que o convidado daria "uma explicação sobre o que é Lava Jato".
Dallagnol começa aquecendo os cerca de 1.100 ouvintes com um afago. "Gosto dos médicos porque médicos gostam da Lava Jato."
Num debate que se estende por 1h30, o procurador compara sua história à do Brasil, com sucessivos "fracassos no combate à corrupção", analogia que já traçara em seu livro.
Lembra de sua atuação no caso do Banestado, na primeira metade dos anos 2000. Eis o desânimo: a investigação implicou 680 pessoas e puniu apenas um punhado de colaboradores. Conta que a escassez de resultados o levou a pensar que, das duas, uma: "Ou trabalho mal ou sou azarado". Mas logo percebeu que a situação se repetia com vários colegas.
Desafia o público: alguém conseguiria lembrar de réus condenados por corrupção na última instância (descartados pontos de inflexão como Mensalão e Lava Jato)?
Um médico na plateia sugere o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, conhecido como Lalau, preso em 2000 pela participação em desvios de recursos da construção do fórum trabalhista de São Paulo. Mas Lalau, minimiza Dallagnol, ficou detido "em prisão domiciliar, que é uma prisão tipo 'nhé'".
A animosidade a Lula que emana da plateia é nítida. Um doutor lamenta: a classe médica pode até ser politizada, mas é duro ouvir pacientes dizendo que na época do ex-presidente era melhor. "O povo não sabe eleger."
Outro espectador pergunta se Dallagnol tem uma "previsão real" para a prisão do petista. "Vou exercer meu direito constitucional de ficar em silêncio." A resposta extrai risos do público.
"Não importa se você é esquerda, direita, centro, cima, baixo, lado... Tem coisa boa para fazer com R$ 200 bilhões", diz. É essa a quantia que, segundo ele, a corrupção drena do Brasil.
Para "enfrentar grandes corruptos", a força-tarefa montou uma "estratégia de fases" cujo "objetivo é superar o jogo Candy Crush", brinca Dallagnol. Assim, com investigações em parcelas, "a sociedade pode acompanhar este caso quase como se fosse uma série".
A operação apostou ainda numa estratégia de comunicação inédita, afirma. Foram ao Jô Soares, à Globo News. Criaram um site. Deram coletivas de imprensa.
Numa delas, Dallagnol se valeu de um polêmico Power Point que colocava Lula no epicentro de um megaesquema de corrupção –ele contemporiza aquele dia no livro, mas não o cita na palestra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário