01/06/2017 02h00
A crise da liderança brasileira na América do Sul não é o que você pensa
Yuri Cortez-18.abr.2009/AFP |
Com Lula e Evo Morales ao centro, líderes posam para foto na reunião da Cúpula das Américas em 2009 |
Uma das vozes mais influentes nesse debate é Andrés Malamud, da Universidade de Lisboa. Em artigo recém-publicado no jornal argentino "La Nación", ele argumenta que, devido à recessão e à corrupção, o Brasil teria perdido o dinheiro e a autoridade moral necessários para liderar a região. Sem Forças Armadas devidamente equipadas, qualquer ambição de liderança apenas seria uma quimera.
À primeira vista, tal análise é atrativa. Seu único problema é estar equivocada.
De fato, durante a Nova República criou-se um projeto estratégico para a América do Sul. De Sarney a Lula, todos os presidentes brasileiros seguiram seus ditames.
No entanto, o objetivo de tal política jamais foi o de exercer liderança, se liderança é o processo pelo qual um país custeia instituições regionais, provê segurança para os países de seu entorno e compra a adesão de seus vizinhos mais fracos no intuito de ter seguidores. O Brasil da Nova República nunca dispôs dos recursos materiais para algo assim.
Antes, o projeto regional buscou satisfazer outras necessidades do sistema político brasileiro. Em primeiro lugar, a política regional serviu para reduzir os custos e os danos causados pela fricção com uma vizinhança complexa e difícil. Os países do entorno sempre foram vistos em Brasília como fonte de problemas atuais ou potenciais, e a política externa buscou limitar esses atritos sem grandes investimentos.
Além disso, a diplomacia buscou regionalizar o capitalismo brasileiro a favor de grandes conglomerados nacionais. Grupos públicos e privados do Brasil viraram credores, investidores, compradores e vendedores de alto perfil em todos os países da região, contando para isso com subsídios do BNDES e do Banco do Brasil.
A diplomacia serviu para facilitar esse processo.
Por fim, a diplomacia sul-americana foi um instrumento a serviço de sucessivos presidentes brasileiros na obtenção de apoio e legitimidade para suas respectivas batalhas em Brasília. Sarney usou a relação com Alfonsín para ganhar força diante dos militares. FHC usou o Mercosul para garantir uma política anti-inflacionária perante um Senado arredio. E Lula financiou as campanhas de Hugo Chávez para consolidar posições favoráveis ao PT numa região ideologicamente dividida.
Segundo a retórica oficial, o Brasil concebe a América do Sul como âncora de sua projeção global. Mas é só retórica. A crise atual não golpeia uma suposta liderança regional que nunca existiu. Ela apenas expõe os mecanismos mais profundos de uma estratégia que vive hoje seu pior momento.
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