quinta-feira, 1 de junho de 2017

01/06/2017 02h00


A crise da liderança brasileira na América do Sul não é o que você pensa

Yuri Cortez-18.abr.2009/AFP
Leaders from the Americas pose for the official picture of the V Summit of the Americas in Port-of-Spain on April 18, 2009. First row, L-R: Costa Rica's President Oscar Arias, Colombia's President Alvaro Uribe, Chile's President Michelle Bachelet, Canada's Prime Minister Stephen Harper, Trinidad and Tobago's Prime Minister Patrick Manning, Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva, Bolivia's President Evo Morales, Belize's Prime Minister Dean Barrow, the Prime Minister of Barbados David John Howard Thompson, The Bahamas' Prime Minister Hubert Ingraham, Argentina's President Cristina Fernandez de Kirchner and Antigua & Barbuda's Prime Minister Baldwin Spencer. Second row L-R: Mexico's President Felipe Calderon, Jamaica's Prime Minister Bruce Golding, Honduras' President Manuel Zelaya, Haiti's President Rene Preval, Guyana's President Bharrat Jagdeo, Guatemala's President Alvaro Colom, Grenada's Prime Minister Tillman Thomas, US President Barack Obama, El Salvador's President Elias Antonio Saca, Ecuador's President Rafael Correa and Dominica's Prime Minister Roosevelt Skerrit. Third row, L to R: Nicaragua's President Daniel Ortega, Panama's President Martin Torrijos, Paraguay's President Fernando Lugo, Peru's President Alan Garcia, Dominican Republic's President Leonel Fernandez, St Kitts & Nevis' Prime Minister Denzil Douglas, Saint Vincent and the Grenadines' Prime Minister Ralph Gonsalves, Saint Lucia's Prime Minister Stephenson King, Suriname's President Ronald Venetiaan, Uruguay's President Tabare Vazquez and Venezuela's President Hugo Chavez. AFP PHOTO/Yuri CORTEZ
Com Lula e Evo Morales ao centro, líderes posam para foto na reunião da Cúpula das Américas em 2009

Segundo a qual a Lava Jato teria exposto o fracasso do projeto de liderança brasileira na América do Sul.

Uma das vozes mais influentes nesse debate é Andrés Malamud, da Universidade de Lisboa. Em artigo recém-publicado no jornal argentino "La Nación", ele argumenta que, devido à recessão e à corrupção, o Brasil teria perdido o dinheiro e a autoridade moral necessários para liderar a região. Sem Forças Armadas devidamente equipadas, qualquer ambição de liderança apenas seria uma quimera.

À primeira vista, tal análise é atrativa. Seu único problema é estar equivocada.

De fato, durante a Nova República criou-se um projeto estratégico para a América do Sul. De Sarney a Lula, todos os presidentes brasileiros seguiram seus ditames.

No entanto, o objetivo de tal política jamais foi o de exercer liderança, se liderança é o processo pelo qual um país custeia instituições regionais, provê segurança para os países de seu entorno e compra a adesão de seus vizinhos mais fracos no intuito de ter seguidores. O Brasil da Nova República nunca dispôs dos recursos materiais para algo assim.

Antes, o projeto regional buscou satisfazer outras necessidades do sistema político brasileiro. Em primeiro lugar, a política regional serviu para reduzir os custos e os danos causados pela fricção com uma vizinhança complexa e difícil. Os países do entorno sempre foram vistos em Brasília como fonte de problemas atuais ou potenciais, e a política externa buscou limitar esses atritos sem grandes investimentos.

Além disso, a diplomacia buscou regionalizar o capitalismo brasileiro a favor de grandes conglomerados nacionais. Grupos públicos e privados do Brasil viraram credores, investidores, compradores e vendedores de alto perfil em todos os países da região, contando para isso com subsídios do BNDES e do Banco do Brasil. 

A diplomacia serviu para facilitar esse processo.

Por fim, a diplomacia sul-americana foi um instrumento a serviço de sucessivos presidentes brasileiros na obtenção de apoio e legitimidade para suas respectivas batalhas em Brasília. Sarney usou a relação com Alfonsín para ganhar força diante dos militares. FHC usou o Mercosul para garantir uma política anti-inflacionária perante um Senado arredio. E Lula financiou as campanhas de Hugo Chávez para consolidar posições favoráveis ao PT numa região ideologicamente dividida.

Segundo a retórica oficial, o Brasil concebe a América do Sul como âncora de sua projeção global. Mas é só retórica. A crise atual não golpeia uma suposta liderança regional que nunca existiu. Ela apenas expõe os mecanismos mais profundos de uma estratégia que vive hoje seu pior momento. 

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