Respeite as abstêmias!
Peço perdão aos donos desse espaço. Eles certamente preferem quando lhes dou alguma audiência. Mas o assunto hoje encontrará raros e humilhados semelhantes.
Escreverei sobre o meu completo desinteresse em relação a bebidas alcoólicas. Não me agradam gostos, cheiros, motivos, efeitos. Sobretudo, não me agradam seus entusiastas mais desinibidos e, o pior da espécie, os que nunca vão embora.
São tantas pessoas chocadas, incomodadas e ofendidas com a minha recusa, que já cheguei a me encarar horrorizada no espelho dos bares, indagando com profunda tristeza e solidão a raiz de tão grave deficiência.
Vasculhei cenas, frases, traumas. Nasci ouvindo o sofrimento causado por um tio e um tio avô que morreram de cirrose hepática. Meu pai, quando eu era criança, após uma festa de casamento, vomitou vinho no tapete novinho e por meses eu encarava aquela mancha fantasiando sobre um assassinato. Minha mãe conta que ficou de pileque e quase morreu afogada quando era adolescente. Quando eu tinha doze anos, minha avó, um dia antes de falecer, me pediu que eu jamais aceitasse bebida dos outros.
Mas não é nada disso. Assim como algumas pessoas odeiam cachorros, o que eu acho um absurdo. Assim como algumas pessoas odeiam crianças, o que eu acho surreal. Assim como algumas pessoas odeiam trabalhar, o que eu jamais entenderei.
Eu odeio beber álcool e preciso do seu amor. Cansei de não ter o meu direito ao chá respeitado. Estou farta da sua carinha de nojo pra minha maravilhosa água com gás. Sim, o suco de melancia com limão vai continuar em minha vida, apesar da azia.
Passei os últimos vinte anos me explicando. Não posso, estou tomando antibiótico. Ops, hoje não, tô com a maior ressaca de ontem. Eita, não comi nada, melhor não bobear. É que fiz promessa. É que faço exame de sangue amanhã. MENTIRA. Eu apenas acho uma merda o gosto da cerveja, apenas sinto o mundo azedar dentro da minha barriga quando bebo vinho.
Tenho horror a vodca e uísque. Champanhe é bile com roupa de rico. E pinga, Deus do céu, vi jogarem no pé da minha tia quando a coitada pisou em um caco de vidro. E ela ficou boa.
Por que somos obrigados a gostar de beber? Por que morro de vergonha sempre que alguém me oferece um copo e os músculos da minha cara se tornam involuntariamente sinceros, promovendo caretas repletas de asco? Por que somos obrigados a gostar de álcool, Ano Novo, Natal, festa de casamento, despedida de solteiro, Carnaval? Por que somos obrigados a preferir o Rio de Janeiro a São Paulo? Suruba a regar plantas? Doze horas em pé num boteco sujo ao deleite de uma cama limpinha? Quem disse que ser feliz é o que a maioria acha que é?
Por que passei os últimos mil anos me forçando a ir, ficar e aturar esses lugares e as pessoas desses lugares? Dando pequenos golinhos falsos em líquidos que me pareciam o néctar do ânus do demônio? Dando pequenas e falsas bitoquinhas em bitucas que me pareciam o pum macabro do esfíncter do capeta?
Não, eu não bebo. Não, eu não tenho que lhe explicar os motivos. Não, eu não vou mais ser simpática mediante as palavras "nunca, nada e nem um pouquinho" seguidas de interrogações. Respeite as "mina" (abstêmia), porra!
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