sexta-feira, 30 de junho de 2017



30 de junho de 2017 | N° 18885 
DAVID COIMBRA

Sophie

Chega de falar em Temer, Lula, Dilma, Renan e Cunha. Chega! Vamos falar de mulher. Vamos falar de Sophie Charlotte.

Quem encomendou esse tema, solicitando com essa candência exclamativa, foi meu amigo Nelson Guahnon, o Cabeça, pai de um craque, o Gúti – você ainda vai ouvir e ler muito sobre o Gúti.

O Cabeça é um devotado admirador da Sophie Charlotte desde que ela não passava de uma adolescente recém-egressa de Malhação – o Cabeça é um descobridor de talentos.

Já eu sou mais difícil. Só fui reparar em Sophie depois que ela cantou Sua Estupidez com o Rei. Ela levitava dentro de um vestido branco que lhe deixava os ombros morenos nus. Olhos negros de corça, lábios vermelhos de carmim, dentes brancos de marfim, Sophie murmurava para Roberto:

– Eu te amo... Eu te amo... Penso tê-lo visto estremecer.

Sophie é meio alemã, meio brasileira. Como o grande Arthur Friedenreich, só que o contrário, porque ela é nascida em Hamburgo, filha de pai brasileiro e mãe alemã, e ele nasceu em São Paulo, filho de mãe brasileira e pai alemão.

A mãe de Friedenreich era uma lavadeira negra, o pai, um branquicela. Friedenreich saiu mulato de olhos verdes. Naquele tempo, anos 20 do século 20, os maiores clubes brasileiros não aceitavam negros no time, com exceção do Vasco da Gama. 

Assim, para poder jogar, Fried disfarçava a negritude: alisava os cabelos com gomalina e aplicação de toalhas quentes, e a cútis amarronzada alegava ser obra de saudável exposição ao sol dos trópicos. Colava. Não porque as pessoas se enganassem, mas porque ele fazia gols a mancheias. Antigos jornalistas registraram que Fried marcou 1.239 gols. Quase um Pelé.

Sophie também é craque. Ela canta, como mostrou no especial do Rei, dança, que é bailarina, e atua docemente. Nessa série da Globo, Os Dias Eram Assim, Sophie começou como uma jovenzinha de minissaia, rebelde e desafiadora, que pulava a janela da casa dos pais para passar uma tarde em liberdade, e está terminando como uma mulher feita, ainda inquieta, mas levemente torturada pela conformação com os fracassos da existência.

Depois que o Cabeça enviou aquela mensagem pedindo “Chega de Temer e Lula, escreva de Sophie!”, depois daquilo parei em frente à TV e me pus a observá-la com mais critério. Concluí que o Cabeça tem razão. Para que perder tempo com essas velhas fuinhas e suas tramas sórdidas se podemos olhar criaturas como Sophie e sorver sua arte escorreita e sua beleza luzidia, se podemos apreciar as boas coisas da vida?

Ah, essa gente má nos faz mal. Mas não gente como Sophie Charlotte. Sophie Charlotte é um antídoto. Há outros por aí: o murmúrio das ondas do mar, a risada do filho, o carinho da mulher amada, o chope gelado e a alegria de poder dar um presente a um amigo, como esta crônica que escrevi para o Cabeça, o pai do Gúti, quem sabe o nosso próximo Friedenreich. E que escrevi também para você, só para lhe dizer: esqueça os azedumes do dia, olhe para a vida em volta, escolha um antídoto, sirva-se à vontade. E seja muito mais feliz.

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