terça-feira, 13 de junho de 2017

Perder ganhando

Marlene Bergamo/Folhapress
O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT)
"Pai, o que você está fazendo aí no escuro?". Das inúmeras questões tratadas por Fernando Haddad na revista "piauí", foi esse trecho que mais me sensibilizou.

Em um final de tarde melancólico, ele perdeu a noção do tempo pensando que sua reeleição tinha se inviabilizado depois do (desastrado) processo político do reajuste da tarifa, em junho de 2013.

A popularidade despencou, a esquerda se decepcionou e a direita se organizou nas ruas, em um prenúncio do ocaso dos governos petistas. Haddad, então, colocou em segundo plano a intenção de governar oito anos e administrou como se não fosse ter outro mandato. Poderia ter tido, pois essa opção lhe permitiu realizar uma gestão ousada e inovadora.

Para a falida cultura política brasileira, mede-se o sucesso de um governante por sua reeleição. Muitos só pensam em resultados a curto prazo, inauguração de obras vistosas, que alimentam o "caixa", e favores em ano eleitoral.

Nada de planejar o futuro, com estratégia urbana, econômica e social. Não dá voto. O PT, após as inovadoras gestões dos anos 1990, não ficou imune a essa lógica. Haddad reatou com o espirito e o frescor dessas primeiras gestões.
A conjuntura criada por junho de 2013, a perda de receita gerada pelo congelamento da tarifa e do IPTU e a dificuldade de obter recursos federais para grandes obras obrigaram Haddad a ousar, enfrentando questões estruturais, como a "cultura do automóvel".

Decidiu suspender o caríssimo e desnecessário túnel Roberto Marinho, contratado por Kassab, contrariando as oito maiores empreiteiras do país.
Com baixíssimos custos, democratizou ruas e avenidas, priorizando faixas de ônibus, ciclovias, segurança no trânsito (com a impopular redução da velocidade) e ruas abertas.

Medidas essenciais, mas que desagradaram até a quem não usa automóvel, manipulados pela mídia eletrônica, que fez oposição sistemática. As multas, necessárias para mudar as mentalidades, foram usadas pelos adversários nas eleições.

Como relator do Plano Diretor, testemunhei essa metamorfose do prefeito. Para elaborar o substitutivo, nos reuníamos semanalmente para debater as mudanças que eu pretendia fazer no texto, introduzindo instrumentos ousados e efetivos. Tinha receio de que ele seria relutante, como outros prefeitos com quem trabalhei.

Para minha surpresa, essas propostas foram aceitas e melhoradas pelo prefeito, que as defendia com convicção.

Com esse ensaio, Haddad mostra que é um político diferenciado. O Brasil está precisando. Para consolidar essa imagem, precisa fazer uma reflexão crítica, apontando erros e acertos da sua gestão, com tanto desprendimento quanto teve de sinceridade na "piauí". 

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