segunda-feira, 5 de junho de 2017

05/06/2017 02h00Diogo Bercito


Como Xerxes, rei dos reis, Donald Trump está diante de seu Helesponto

Divulgação/WarnerBros
O ator Rodrigo Santoro interpreta o rei Xerxes no filme "300"
O ator Rodrigo Santoro interpreta o rei Xerxes no filme "300"

Uma tempestade particularmente violenta destruiu, no século 5º a.C, a ponte que Xerxes mandara construir para seu Exército atravessar o Helesponto. Enraivecido, o rei dos reis ordenou que o mar fosse chicoteado. Então esbravejou: "Você, água odiosa! Xerxes vai cruzá-lo, queira você ou não! Você é um rio barrento e salgado!"

A história é narrada por Heródoto. O monarca persa conseguiu cruzar o estreito de água e invadiu a Grécia. Ele atravessou também as ondas do tempo e ainda hoje esbraveja nas sombras das personalidades políticas soberbas.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode carecer do lirismo de Xerxes, mas não hesita em espernear quando é contestado. Com a diferença de que talvez tivesse preferido construir muros em vez de uma ponte.

Populistas como ele têm ganhado terreno no mundo. O Reino Unido decidiu em junho do ano passado deixar a União Europeia após uma campanha marcada por "fatos alternativos", também conhecidos como mentiras, em torno do sis - tema de saúde e da migração.

Marine Le Pen, do partido Frente Nacional, movimentou exércitos eleitorais na França com a promessa de também arrancar o país do bloco econômico. Ela foi derrotada em 7 de maio, mas teve 34% dos votos, resultado bastante expressivo. Populistas de direita avançam na Áustria e na Holanda, e os de esquerda marcham na Espanha e na Grécia.

O Helesponto, que Xerxes chicoteou, hoje se chama Dardanelos. É uma passagem entre Ásia e Europa e ainda tem um forte simbolismo -como uma linha vermelha cruzada.

A decisão de atravessá-lo não favoreceu os persas de antanho. Embevecido pelo próprio poder, Xerxes atacou uma frota grega em condições desfavoráveis e foi derrotado.

Mais tarde, segundo Heródoto, o rei dos reis cruzou o estreito na direção oposta e abandonou a Grécia. Ele foi morto por Artabano, comandante da guarda real. Foi um dos episódios mais marcantes da Antiguidade e serviu, desde então, como um alerta aos impérios. Mas não a todos.

Trump atravessou outras linhas imaginárias ao escalar o conflito civil sírio, ameaçar a Coreia do Norte e lançar a "mãe de todas as bombas" no Afeganistão -um título, aliás, superlativo como o do rei dos reis.

A exemplo do monarca persa, Trump esbraveja barbaridades contra seus próprios mares. Mais moderno, recorre ao Twitter para reclamar de quem discorde dele. Como a Justiça, que desautorizou seus planos de impedir a entrada de cidadãos de países muçulmanos.

O presidente americano chegou ao ponto em que, com seus recentes conflitos com o FBI e a divulgação de informações sigilosas à Rússia, corre o risco de sofrer um impeachment e ter que cruzar de volta seu Helesponto -e, rei de nada, deixar a Presidência dos EUA.

Nenhum comentário: