'Não há plano B por não haver planeta B', diz presidente da Unilever Brasil
Aos 50 anos, Fernando Fernandez está há cinco à frente da Unilever Brasil, uma das três maiores operações da companhia que faturou 2,7 bilhões de euros em 2016.
"A primeira é Estados Unidos. Índia e Brasil oscilam entre segundo e terceiro lugar, dependendo do câmbio", diz.
Ao anunciar os números do Plano de Sustentabilidade Unilever, lançado há sete anos, o executivo destaca a liderança brasileira em metas como chegar a 100% de utilização de matérias-primas de origem sustentável em 2020. "No Brasil, estamos em 80%. No mundo, 61%." Ser sustentável, para ele, é questão de sobrevivência, tanto para empresas, governos ou países. "Por mais poderosos que sejam."
Em entrevista exclusiva à Folha, o argentino filho de classe média e que sempre estudou em escolas públicas fala sobre a possibilidade de progredir na e com a companhia. "Queremos ser ferramenta de progresso", afirmou, após encontro com empreendedores sociais.
Ele também apresenta casos do "marcas com propósito" do portfólio, que contribuíram com 60% do crescimento da companhia em 2017. É o caso de Brilhante, marca de produtos de limpeza, que promove empreendedorismo feminino; e Kibon, que aposta em microempreendedores e uma rede móvel de vendedores para ganhar capilaridade e chegar a parques e praias Brasil afora.
Folha - Como uma gigante como a Unilever pode se abrir para pequenos empreendedores?
Fernando Fernandez - O programa de inclusão e empreendedorismo social dentro da companhia é parte do Plano de Vida Sustentável e já tem sete anos. São metas em diferentes áreas em três grandes temas: dobrar o tamanho do negócio, cortar pela metade nosso impacto ambiental e melhorar o bem-estar de 1 bilhão de consumidores no mundo.
Há mudanças perceptíveis?
Reduzimos violentamente a utilização de recursos em nossas operações industriais. Na emissão de gases do efeito estufa, a redução, em toneladas, é de quase 45%; de água, 37%. No Brasil, 80% das nossas matérias-primas são de origem sustentável. No mundo, atingimos 61%. A meta é chegar a 100% em todo o mundo em 2020. No ano passado, compramos 220 mil toneladas de soja certificada de 38 produtores brasileiros certificados. Levamos em conta indicadores sociais e ambientais na produção e eliminação de trabalho escravo.
E quanto a transgênicos?
Temos transgênicos em alguns produtos. Sem eles, haveria muita gente passando fome. Os transgênicos tiveram papel muito grande na expansão da capacidade produtiva mundial. Têm imagem ruim, mas ao mesmo tempo têm impacto na disponibilidade de alimentos a nível global a um custo razoável.
Como uma empresa de alimentos lida com a questão da obesidade e outros males relacionados à má nutrição?
A nutrição saudável é pilar fundamental da nossa estratégia. Qualquer empresa de alimento que não esteja fazendo isso vai ficar fora do jogo rapidamente. É questão de sobrevivência. Um terço do nosso portfólio de alimentos é melhorado em termos nutricionais todos os anos, com redução de quantidade de açúcar, gordura e sal.
A empresa lançou um projeto de venda direta de sorvete?
O projeto se chama Eu Sou Kibon, uma iniciativa global. É um sistema móvel de vendas e distribuição baseado em microempreendedores e microdistribuidores. O que está por trás disso: na praia, no parque ou na saída da escola não tem loja para comprar sorvete. Temos um país tropical ou subtropical como o Brasil com um freezer de sorvete para cada 2.000 habitantes. Na Europa e mesmo no Equador, tem-se um para cada 500 habitantes.
Como será explorado este potencial de crescimento?
A venda em locais públicos estava muito limitada e chegávamos ao consumidor a um preço alto. Costuma-se pagar R$ 3, R$ 4 a mais na praia do que na padaria. Havia muitos níveis de distribuição dentro da cadeia. Começamos com um piloto no Recife ano passado, com 30 microempreendedores, que se associam a seis ou sete sorveteiros cada um. A ideia é expandir para 8.000 vendedores nas ruas ligados a mil microempreendedores. E podemos chegar a 20 mil em cinco anos.
Como funciona o modelo?
Em parceria com a Aliança Empreendedora, construímos pacotes para dar aos microempreendedores capacidade de começar o seu negócio. Entregamos em comodato carrinhos e freezeres, que funcionam como ponto de estoque. Não há desembolso inicial. A primeira carga de sorvete é em consignação. Damos oportunidades e também é bom para os negócios. Em Pernambuco, a cada 1 km de praia, há um vendedor Kibon. Esquema que estamos levando a outros quatro Estados: Rio Grande do Norte, Bahia, Alagoas e Maranhão.
Quanto rende para o vendedor, em média?
O vendedor tira dois salários mínimos por mês. E a maioria estava desempregada. Muitos moram em comunidades, como a de Brasília Teimosa, no Recife. Em muitos casos, o microempreendedor tem três ou quatro pessoas da família trabalhando com ele. Muitos são mulheres. Em geral, elas têm um cuidado maior com dinheiro.
Como é o processo de licença para venda em local público?
A única limitação é a outorga das licenças para operar em parques e praias. Damos suporte, mas o processo é lento e burocrático, dependendo da prefeitura. Há cidades que sai em semanas e em outras leva um ano. É um paradoxo, quando 8.000 vendedores nas ruas equivalem a três fábricas. Uma montadora de carro, por exemplo, gera 4.000 empregos. Estamos falando aqui de duas. As autoridades deveriam facilitar a criação de emprego. Um dia que perco por não ter empreendedor vendendo sorvete são vendas e salários a menos. É renda para um cara que pode estar em situação difícil em comunidades com tentações como
narcotráfico.
Que outras iniciativas de inclusão social fazem parte da cadeia de valor da Unilever?
No Ciclo Brilhante, já oferecemos ferramentas para 150 mil mulheres empreendedoras. É uma iniciativa da marca Brilhante, que nos últimos cinco anos multiplicou por quatro o faturamento no Brasil. Toda a comunicação é ancorada no empreendedorismo feminino. E, claro, há um boca a boca que gera fixação da nossa marca com imagem positiva, o que impacta na decisão de compra.
É bom para o negócio?
Unilever não é uma organização filantrópica. A gente está aqui para ganhar dinheiro, para dar retorno positivo aos acionistas. Porém, desde a sua fundação na Inglaterra vitoriana, o nosso fundador falava de prosperidade compartilhada. É muito difícil ter uma companhia de sucesso quando se parte de uma sociedade que não progride, quando se destrói os recursos dos quais necessitamos. Temos uma visão de retorno que está vinculado à ideia do "triple botton line" [tripé de sustentabilidade "people, planet e profit" medido em termo sociais, ambientais e econômicos], que muitas empresas também seguem.
Em que pé está o processo de a Unilever se transformar em B-Corp, a exemplo da Ben & Jerry, que foi adquirida pela companhia e é certificada?
Este é um processo lento. Não se muda um barco tão grande como a Unilever todo e ao mesmo tempo. Nós falamos muito dos "speed boats", os botes de alta velocidade dentro da companhia. Ben & Jerry é um clássico caso de "speed boat" e está liderando o processo para que mais marcas entrem no mesmo processo.
A Danone, que é concorrente, acaba de ter sua operação na Espanha certificada. Já vocês estão indo na linha de buscar certificação B por marcas?
Ben & Jerry é quase uma companhia dentro da companhia. É uma operação que se gerencia por si própria. É o modelo mais frequente. Quem poderia dizer que a Ben & Jerry poderia ser parte da Unilever há 15 anos? Mas temos flexibilidade. Nossa intenção permanente é nos adequar aos novos tempos.
Como ser uma companhia mais sustentável?
A maior parte da perda do sistema em termos de sustentabilidade acontece na etapa de consumo. Ainda é muito complicado a educação do consumidor. Hoje, eu posso compactar um sabão em pó, um desodorante pela metade. O que significa metade do uso de alumínio, metade da embalagem. Porém, é difícil o consumidor perceber esta equação. Ele ainda vê como algo menor.
Como superar a desconfiança do consumidor de que sustentabilidade é só marketing?
Hoje, os níveis de transparência são muito maiores. Nosso presidente global diz que as companhias que ignorem o problema da fome, da equidade, da diversidade, da mudança climática no curto prazo não vão ter razão de existir. O consumidor quer saber o que está por trás de uma marca, de um produto, os valores da companhia. E as corporações ao final seguem o dinheiro. Se o consumidor dá as costas porque não vê uma genuína preocupação com estes temas, em algum momento você vai perder.
Isto vale para a decisão de Donald Trump de tirar os EUA do Acordo de Paris?
O acordo foi consequência de um movimento grande da sociedade civil. Não tem governo, não tem presidente, não tem país, por mais forte que seja, que no longo prazo possa dar as costas para isso. As empresas, ao final, vão seguir a sociedade civil e aqueles que compram os seus produtos. Ninguém quer ser associado a energia suja. Não há plano B por não haver planeta B. No longo prazo, os poderes econômicos seguem a cidadania. E os governos seguem o poder econômico e os cidadãos.
Qual é a lógica de aproximação com empreendedores sociais para a Unilever?
A gente precisa imbuir dentro da companhia esse espírito empreendedor. No final das contas, eu sou um administrador do dinheiro dos outros. Mas os empreendedores correm risco pessoal, colocam paixão nas suas iniciativas. Queremos isso mais e mais dentro do negócio.
É possível misturar com sucesso as duas culturas?
O "talibanismo" das grandes empresas é ruim. O dos empreendedores sociais, também. O pêndulo tem que se acomodar em um algum lugar onde possamos falar uma linguagem comum, quando os valores são comuns. Nestes dias, em que somos bombardeados com tantas notícias ruins e uma crise de valores importante, há muitas pessoas que acreditam em fazer da nossa sociedade um lugar melhor. Alguns, produzindo sabonete e xampu. Outros, fazendo tecnologia. Os problemas são demasiadamente grandes para que só um lado resolva. Todos os temas de sustentabilidade, entre eles o uso racional de recursos, são demasiadamente importantes para serem deixados nas mãos dos governos.
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Raio-X
Idade 50 anos
Formação
Graduou-se em Economia pela Universidade de Buenos Aires e em Ciências Comerciais pela Commerce Superior School Carlos Pellegrini
Atuação
Presidente da Unilever Brasil desde setembro de 2011, ocupou a mesma posição nas Filipinas entre 2008 e 2011; está na companhia há 28 anos
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