quinta-feira, 7 de abril de 2011



07 de abril de 2011 | N° 16663
L. F. VERISSIMO


Pelo celular

Você já deve ter tido a experiência. Está numa mesa de bar com uma turma, as bolachas de chope se multiplicam sobre a mesa, a conversa esquenta e de repente alguém se lembra de alguém. De um que prometera ir ao bar e não aparecera, de um amigo comum de todos que ninguém mais vira... E fatalmente alguém pega um telefone celular e diz “Vamos ligar para esse vagabundo”.

Quando localizam o vagabundo, todos se revezam no telefone, xingando o ausente, intimando-o a aparecer, imitando voz de mulher e dizendo “Adivinha quem é?”, fazendo ruídos de bichos etc. Mas podem ir longe demais. Alguém na mesa pergunta “Que fim levou o Santoro?”, e passam a catar o Santoro com o celular.

Primeiro ligam para um número antigo dele, depois chegam a uma irmã dele através de uma moça do serviço de assistência ao assinante miraculosamente eficiente, depois chegam ao próprio Santoro, que faz um curso de informática em Grenoble, na França, e atende o chamado apavorado.

– Que foi? Que foi? – Seu veado! Onde é que você anda?

– É a mamãe, é? Mamãe está bem? – Que mamãe? Aqui é o Jander.

– Quem?! – O Jander. Já esqueceu dos amigos, é?

– Jander, você sabe que horas são aqui? – Aí não é mais cedo?

Jander ouve cinco minutos de desaforos antes de desligar o celular e dizer, magoado: “Como as pessoas mudam, né?”. Dias depois ouvem que o Santoro ficou tão nervoso com o telefonema no meio da noite, que abandonou o curso de informática, abandonou a França, voltou para junto da dona Djalmira, sua mãe, e está trabalhando no armarinho da família. O telefonema tinha mudado a sua vida por completo.

Outra: alguém na mesa diz que tem o telefone particular do Obama, na Casa Branca. Conseguiu na internet. Podem ligar para lá e quando o Obama atender dizer “Olha, é do Brasil, foi o senhor que esqueceu uma meia-calça no hotel?”, ou “Aqui é o Kadafi, posso falar com a Michelle?”. Aí alguém lembra que os americanos podem rastrear todas as chamadas para a Casa Branca, localizá-los por satélites e bombardear o bar.

E há o mais bêbado de todos, que diz que precisa ligar para o Ferreirinha pra saber como ele vai.

– Você esqueceu? O Ferreirinha já morreu. Está no Além.

– Eu sei – diz o outro, com o dedo já pronto para digitar. – Qual será o número?

E as bolachas de chope se empilhando.

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