quarta-feira, 6 de abril de 2011



06 de abril de 2011 | N° 16662
DAVID COIMBRA


Quem é o melhor de todos

Havia uma Kombi pequena verde e branca, uma laranja e branca do mesmo tamanho, outra azul-clara um pouco maior e uma bem grande e bem amarela. Havia uns quatro Fuscas, um deles sem porta, vários carros esportivos com todas as cores do arco-íris, um conversível vermelho e um antigo rabo-de-peixe verde-escuro. Havia um posto de gasolina completo, com cancela, ele me disse que era muito importante ter cancela, e tinha. Havia um pinguim, um leão, um urso e um pato, e ainda bichos que não identifiquei.

Dinossauros, talvez. Estávamos sentados no carpete do quarto dele, ele acomodado com muita elasticidade sobre as coxas, eu com as pernas cruzadas, feito um monge, mas com bem menos elasticidade. Peguei um boneco do Buzz Ligthyear com uma mão e um do Pablo dos Backyardigns com a outra. Perguntei:

– Filhinho, qual de todos esses brinquedos é o teu preferido?

Ele não me deu muita bola. Estava com um avião cinza na mão e a mão girava-lhe em torno da cabeça e ele fazia o barulho do motor com a boca:

– Vrummm...Insisti: – Me diz: qual deles é o teu preferido?

Ele me olhou sem muito interesse. Fiz um gesto com a mão, apontando para os brinquedos:

– Qual? Esse? Aquele?

Ele agora estava concentrado num helicóptero amarelo, ele gosta muito daquele helicóptero amarelo, que chama de helipicócolo amalelo. Não respondeu à pergunta. Mas, por algum motivo, eu precisava descobrir de que brinquedo ele mais gostava, e eu sou como o Pequeno Príncipe: não posso deixar uma pergunta sem resposta. Encanzinei:

– Qual? O helicóptero amarelo?

Ele vacilou mais um pouco: – Vrummm...

Repeti: – É o helicóptero amarelo, filhinho? É?

Aí ele falou: – O helipicócolo amalelo, papai.

E continuou: – Vrummm... – levando o helipicócolo amalelo para longe do meu interrogatório.

Então... fiat lux! Compreendi: ele respondeu só para me satisfazer. Só para que parasse de incomodar com aquela insistência chata. Que lhe importava o seu brinquedo preferido? QUEM DISSE que tem de haver um brinquedo preferido? Que história é essa de “preferido”? De gostar mais de uma coisa do que da outra? Uma criança pequena não faz essa diferença. A hierarquia, a escala de valores, a avaliação do rendimento, tudo isso é subjetivo e relativo e, em geral, inútil. Nada disso tem importância real para a vida das pessoas.

Música, por exemplo. Qual é a “boa” música? Por que Mozart é melhor do que Luan Santana? Quem é melhor: Chico ou Caetano? Beatles ou Rolling Stones? Ivete Sangallo ou Cláudia Leite?

Existe literatura maior e subliteratura? Chandler e Hammett já foram considerados autores menores, hoje são grandes. Será que um dia Paulo Coelho e Dan Brown serão grandes?

E as artes plásticas? O professor Gombrich já disse: “Não existem razões erradas para se gostar de uma obra de arte, mas existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte”. Será que esse conceito pode se aplicar às pessoas?

Mesmo assim, você passa o tempo todo dando notas, fazendo avaliações e elegendo preferências. É uma necessidade desesperadora de classificar e rotular. Porque organiza o mundo e faz com que pensar fique mais fácil. Você já decidiu quais são a sua cor, o seu time, o seu cantor e o seu ator preferidos, pronto. Próxima reflexão.

Donde, o sucesso do esporte. O esporte consegue fazer essa aferição. O Cielo nada mais rápído nos 50 metros, o Phelps nos 200, a Isinbayeva salta mais alto do que qualquer outra mulher com uma vara na mão, o Usain Bolt é imbatível sobre duas pernas em 100 metros rasos.

Maior. Mais forte. Mais rápido.

Para isso foi inventado o esporte. Para satisfazer uma necessidade que, para quem ainda está imaculado do mundo, não existe.

Só que o futebol não é apenas um esporte. É um jogo. E, no jogo, às vezes o vencedor não é o melhor. Que time você queria no seu clube: a Seleção perdedora de 82 ou a vencedora de 94? Você, colorado, preferia ver agora, no Beira-Rio, o Inter que venceu o Gauchão em 74, com Falcão, Figueroa e Capergiani, ou o campeão do Mundo em 2006, com Ceará, Rubens Cardoso e Wellington Monteiro?

E o gremista preferia ver o time do Foguinho, que só ganhou o regional nos anos 50, mas tinha Aírton, Gessy, Calvet e Juarez, ou o do Felipão, multicampeão dos anos 90, com Rivarola e Arilson?

Questões complexas. Claro que são. E que não têm nenhuma importância.

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