sexta-feira, 1 de abril de 2011



01 de abril de 2011 | N° 16657
PAULO SANT’ANA


Substituibilidade


Estava eu novamente no fumódromo de ZH, ali onde se ergue o maior criatório de ideias, quando circunstancialmente uma mulher pronunciou para nós, que conversávamos, a seguinte frase: “Aqui se faz, aqui se paga, é na Terra que pagamos por nossos pecados”.

Foi então que fiz um discurso acalorado: “É aqui que se faz e aqui que se paga? Então, para a vida e a filosofia serem justas, terão também de recompensar aqui na Terra os que fazem o bem”.

Se tem de ser castigado com o câncer quem como eu cometeu pecados, então eu teria de ser também premiado aqui na Terra pelas boas ações que cometi.

A banca paga e recebe” foi um ditado que de tanto repetir tornei muito conhecido na imprensa gaúcha.

Mas a banca nos últimos anos só tem recebido de mim. Que banca é esta que não paga?

Tão ciosa em suas cobranças, por que é tão parcimoniosa em seus pagamentos esta banca, pelo menos comigo? E pelo menos nos últimos dias.

Tenho tido um curioso aprendizado, embora esteja no início. É que as doenças e os infortúnios me conduzem a comportamentos substitutivos dos meus principais prazeres.

Se não posso mais mergulhar, que era o meu principal prazer, de vez que não pode entrar sequer uma gota de água nos meus ouvidos, então eu procuro fazer uma coisa que não me dava nenhum prazer mas que agora começou a me atrair: entrar na água até o pescoço.

Se tenho dificuldade para captar e discernir os sons da televisão, em face da minha avançada e parcial surdez, então me dedico a ler. Atualmente estou lendo Os Jesuítas, um relato das missões da Companhia de Jesus na conversão dos chineses e vietnamitas para o cristianismo no século 17.

Se tenho dificuldades hormonais para a prática do sexo, apuro-me nos diálogos românticos, tendo descoberto que é possível amar e ser amado mesmo restando assexuado.

É necessário e urgente ir substituindo os maiores prazeres por outros que antes não tinham sido por nós descobertos.

É preciso investir em novas práticas deleitosas, se fomos privados daquelas que mais estimávamos.

É, em outras palavras, a técnica da reinvenção. Se não se pode mais tomar sorvete, tente-se um iogurte. No lugar da corrida, a caminhada. Se não se pode erguer peso, ginástica.

Uma vez, fui morar num condomínio em que não se podia criar cães. Fui ver o regulamento do prédio e tinham se esquecido dos gatos. Comprei um gato, não consegui me afeiçoar a ele, mas gozei o prazer de ter enganado o condomínio.

O que não se pode é deixar de ter prazeres. Se nossos antigos prazeres se tornam por qualquer forma a nós proibidos, criemos depressa outros.

O homem não pode viver sem prazer. A própria inexistência de prazer se constitui sob certo aspecto em uma dor.

Há que substituir os prazeres assim como os organismos, quando constatam que suas células estão cansadas, tratam imediatamente de substituí-las por outras então novas.

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