segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009



02 de fevereiro de 2009 | N° 15867AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Os sons do silêncio

Por uma época, eu levantava às nove da manhã, tomava um banho de piscina e outro de chuveiro e saía a conquistar a imensa cidade de Berlim – imensa mesmo pois que dividida em duas. Era domingo, e a estação Tempelhof do metrô, tão cheia durante a semana, então se mostrava com uma paz de cidade do Interior.

Vinha um trem, vinha outro, mas eu só me preparava para embarcar quando, no alto das escadarias, apontava aquela que era minha amiga. Ela vinha trajada com um vestido azul justo – e nenhum dos modelos que ilustravam as revistas de moda expostas nas bancas era mais elegante do que ela.

Mas éramos apenas amigos. Havia uma combinação a esse respeito. Havia um pacto: se passar da amizade, nada será como antes. Nada será como agora, em que basta nos fitarmos para falar cento e uma frases e ouvirmos os sons do silêncio.

Então íamos ao Viktoria Park, onde as pessoas ficavam desnudas em oferenda ao sol, mas nós não, íamos a um cinema, íamos percorrer Kurfürstendam, que era a principal avenida de Berlim, frequentávamos pequenos bares e cafés, tomávamos outros metrôs no rumo de Dahlen e seus museus, só para ver O Homem do Elmo Dourado, de autoria de Rembrandt. Ou então simplesmente íamos visitar a Rainha Nefertiti, com quem minha amiga se parecia.

Nunca andávamos sós. Nos acompanhavam a música chamada Felicità e as lembranças do curso que tirávamos juntos, um curso de Jornalismo Avançado, e as recordações de nossos países, que ficavam em lados opostos do Atlas Universal.

Por que evoco essas coisas agora?

Talvez porque tocou no rádio a música chamada Felicità, com Al Bano e Romina Power.

Quem sabe porque é domingo e convoquei à memória outros domingos idos e perdidos?

Provavelmente porque soou agora o telefone e não era ela quem falava.

Ou mais possivelmente porque vivo hoje num mundo em que as palavras precisam de tradução instantânea e em que não basta fitar uma amiga para dizer cento e uma frases.

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