terça-feira, 11 de agosto de 2020


11 DE AGOSTO DE 2020
NÍLSON SOUZA

Saudades do futuro

Bateu o cansaço. Já vimos todos os filmes atrasados, já reviramos as gavetas e os canteiros do jardim, já lavamos as mãos e a louça infinitas vezes, já participamos de centenas de videoconferências, já brincamos com as crianças mais do que quando éramos crianças, já usamos mais máscaras do que todos os super-heróis do planeta, já enjoamos da tevê, do feice e dos uátis de bons-dias dos tios e tias, já não aguentamos mais olhar para as paredes, para as janelas, para as páginas do livro que não conseguimos terminar. Já cozinhamos, já costuramos, já pintamos e bordamos.

Deu, né? Precisamos de ar, de sol e de horizontes. Precisamos de dias menos tediosos e previsíveis.

Estamos com muitas, mas muitas, mesmo, saudades do futuro. Saudades assim no plural, como desaconselham os gramáticos mais conservadores. Podemos enumerá-las, para justificar a flexão: saudade daquela viagem que sempre deixamos para o ano que vem, saudade da festa que um dia faríamos com companheiros de infância ou formatura, saudade daquela visita adiada ao parente distante, saudade daquele projeto de negócio ou de estudo que ainda não conseguimos realizar, saudade de caminhar sem rumo nem destino, saudade de tudo que ainda não fizemos e que haveremos de fazer.

Por favor, não pensem que estou pregando rebeldia aos conselhos dos médicos e às ordens das autoridades, ou sugerindo que alguém se arrisque neste momento de tantos temores e aflições. Não sou negacionista e tenho o maior respeito pela dor de quem já foi atingido pelos efeitos cruéis da pandemia. Nada de aventuras inconsequentes.

Apesar do formato de desabafo, esta crônica pretende ser apenas o registro de um sentimento coletivo que percebo crescente e compreensível depois de tanto tempo de restrições. É verdade que nosso mundo virou de cabeça para baixo, mas ainda não despencamos no espaço. Portanto, talvez possamos atenuar estas saudades do futuro da mesma forma como fazemos com boas lembranças pretéritas: recolocando-as na nossa agenda e programando nossos projetos, por mais mirabolantes que pareçam, para amanhã.

Se não for o amanhã de hoje, será o amanhã de amanhã. Mas haverá um amanhã. Sempre há.

NÍLSON SOUZA

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