sábado, 1 de agosto de 2020


01 DE AGOSTO DE 2020
FLÁVIO TAVARES

MERCADO PÚBLICO



A discussão em torno da decisão do prefeito de transformar o Mercado Público em privado é como reinventar a água morna. Nos primórdios, só existia água fervente e água fria, até que um estranho, por descuido, tirou a chaleira do fogo e viu que tinha descoberto a água morna...

Sabemos todos que até o mais rude armazeneiro de bairro é melhor administrador do que um engravatado burocrata público. O caso do Mercado Público de Porto Alegre, porém, foge a essa opção.

No mais sofisticado centro de abastecimento da Capital, só o prédio é municipal. Todas as bancas estão entregues a permissionários, pequenos empreendedores que lá investiram dinheiro, trabalho e experiência ao longo de anos, servindo à população. Além disso, em fins de semana, o prédio do século 19 reúne artesãos e vendedores de antiguidades, numa espontânea feira em que o passado ressurge como presente. Ali já encontrei, até, documentos do tempo de Hitler na Alemanha, reveladores do horror dos campos de extermínio nazistas.

Nenhum burocrata público gerencia ou trabalha em qualquer banca no Mercado, que - de fato - já é privado. Ou, por acaso, o que são os atuais permissionários?

A prefeitura da Capital, porém, trata o prédio com descaso. O piso superior junto ao rio, danificado no incêndio de 2013, segue igual, mesmo que o prefeito veja o dano todo dia do seu próprio gabinete. O desleixo provocou o incêndio, pois não havia (nem há) alguém da prefeitura que supervisione o prédio. A única ação do município é recolher as contribuições dos permissionários, como se o belo e histórico edifício fosse um traste apodrecido por cupins.

Agora, para livrar-se de tudo, querem privatizar o que já é privado, através de "concessões" em troca, apenas, de dinheiro. De fato, querem entregar a estranhos o que, há dezenas de anos se tornou o mais atrativo ponto de abastecimento da cidade. Lá se encontra tudo, de comestíveis a ervas medicinais.

Tudo isso se formou ao longo de anos de prática e experiências que, agora, podem se desfazer num equívoco que lembra o descobrimento da água morna.

Em pleno horror da pandemia, desponta agora o "lobo-guará" como possível nova ameaça incontrolável. As futuras novas cédulas de R$ 200 podem ser sinal prévio da inflação, que pensávamos ser coisa do passado, tal qual a peste atual. O lobo-guará (ou vermelho, em guarani) devasta a fauna - come tudo, do grande ao pequeno, tal qual a inflação, da qual não pode ser símbolo.

Governo e setor privado devem unir-se em busca de soluções comuns para evitar o retorno da velha peste que o Brasil conheceu (e padeceu) durante décadas.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES, JORNALISTA E ESCRITOR

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