segunda-feira, 6 de outubro de 2008



LUGARES EM PARIS

Volta e meia, alguém me pede dicas de lugares em Paris. Começo sempre com uma brincadeira boba. Sugiro o Louvre, a torre Eiffel, a Notre-Dame e, se a viagem for de quatro anos, a Sorbonne.

Para um empresário muito rico, mas avaro e de pouca cultura, recomendei um restaurante: La Tour d’Argent. Ao voltar, ele queria me fazer pagar a conta de 1,5 mil euros. Depois de me insultar, admitiu que fora a experiência gastronômica mais extraordinária da sua vida.

Confessei o óbvio: eu nunca pus meus pés de plebeu nesse paraíso da alta burguesia. Prometeu me recompensar levando-me para jantar com ele no La Tour d’Argent na primeira oportunidade em que nos encontrássemos em Paris. Felizmente para ele, isso nunca aconteceu. Acho que controla as datas das minhas viagens.

Cada um tem os seus lugares míticos. Certamente já contei a história de uma jornalista baiana que chegou comigo e com a atriz gaúcha Heloísa Palaoro a Paris, em 1991. Ela sonhava com a torre Eiffel. Fomos praticamente direto do aeroporto para a torre.

Ao olhar para cima, ela deslizou num pequeno degrau da calçada e quebrou o pé. Pegamos um táxi, com um motorista paraguaio, para um hospital próximo do nosso hotel. Era o Hôtel-Dieu. Em frente à catedral Notre-Dame.

A baiana, gemendo de dor, olhou para o templo e perguntou: 'Que igreja é essa?'. Ao ouvir a resposta, chorou. Eu fiz bem pior. Ao entrar no hospital, ajudando a amparar a moça, desmaiei. Como se vê, minha estréia em Paris foi cheia de grandes emoções.

Passados 17 anos, tenho os meus lugares. Quando não posso gastar muito, como um confit de canard no Polidor, um típico bistrô parisiense situado na rua Monsieur le Prince, no Quartier Latin, conhecida dos gaúchos de antigamente por abrigar a casa de Auguste Comte. Basta um vinho da casa, em jarra, para acompanhar sem fazer feio a deliciosa coxa de pato.

Aos um pouco mais endinheirados, mas não a ponto de poder pagar uma conta de empresário rico, sugiro o Balzar, pertinho da Sorbonne, onde o salmão é considerado divino. Prefiro pato a salmão.

Se a grana for pouca, vale um crepe ou um enorme sanduíche de baguette desses que se vai devorando sem parar de caminhar. Eu não faço compras em viagens. Prefiro gastar meu pouco dinheiro tomando um vinho, sentado num lugar onde possa sentir o ambiente local.

Em Paris, tenho uma mania cultural. Sempre vou ao Museu d’Orsay, onde está o grande acervo dos impressionistas, ver as obras de Claude Monet, em especial 'Coquelicots'. É o meu preferido. Gosto mais dele inclusive que de Van Gogh.

Deve ser o meu lado melancólico e camponês. Falar assim de Paris sugere afetação. Já fui criticado por isso. Não é a minha intenção.

Está ao alcance de qualquer viajante. Tive uma amiga que me ensinou o gosto por Monet. Ela era velha, suja e falava oito línguas. Irmã de um diplomata, herdara quatro pequenos apartamentos num edifício de Montparnasse.

Entupiu todos de livros e papéis que recolhia no lixo até não sobrar lugar para ela a não ser na cama. A última vez que a encontrei, em Saint-Germain-des-Prés, pouco antes da sua morte, ela fedia mais do que certos queijos. Custou a me reconhecer.

Briguei com um garçom para que ela pudesse tomar um café comigo. Finalmente, saindo de algum abismo da memória, ela me perguntou com um fio de voz: 'Monsieur Machado, o senhor já foi ver ‘Coquelicots’, não foi?'. Cumpri a promessa.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira e uma excelente semana

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