quinta-feira, 16 de outubro de 2008



O OTÁRIO DO NEOLIBERALISMO

É claro que a Europa está fazendo o mesmo que os Estados Unidos para salvar bancos. Só que, para uma cultura com tradição intervencionista estatal, não há contradição nisso.

O problema dos americanos é a empáfia. Passaram anos, por meio do FMI, dando lições furadas para meio mundo.

A mais conhecida dessas receitas de bolo era que uma empresa e um país devem ser geridos como uma família que só gasta o que ganha. Melhor, nem gasta tudo o que ganha. Põe uma parte de lado. Pois os Estados Unidos atuaram na base do façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.

Todo mundo gastou o que não tinha e o sistema como um todo virou uma miragem, crédito coberto com crédito, mais ou menos como o pai de família que cobre a dívida de um cartão de crédito com outro cartão de crédito e assim até perder de vista o que deveria ser à vista. A ópera acabou. Em tragédia. É recomeçar.

Ainda bem que o FMI, sempre tão avesso à intervenção estatal, saiu da toca e avisou que intervir se tornou imperativo. Antes, o FMI queria diminuir o tamanho do Estado. As façanhas da economia americana deviam servir de modelo a toda terra.

Agora, com a mesma desenvoltura, o FMI entende que o Estado deve se endividar ainda mais para tirar do atoleiro as instituições financeiras que não souberam cuidar dos seus negócios. O bom em economia é que o válido ontem pode se tornar inválido hoje, antes de voltar a ser válido amanhã.

Paul Krugman, prêmio Nobel da Economia 2008, crítico feroz do neoliberalismo e de Bush, esteve em São Paulo há um mês. Na época, fez uma previsão: o pior já passou. A mídia passou décadas apresentando o atestado de óbito do Estado como mecanismo de desenvolvimento.

Deveria neste momento repetir a cada segundo que o neoliberalismo está morto e que começa uma nova era de renovação do papel do Estado na economia, Dom Sebastião retornando para evitar a catástrofe total.
Por que não faz isso? Simples.

O Estado é visto, no caso, como um fiador, um avalista chamado a pagar a conta que o devedor não conseguiu honrar. Como todo fiador que se preze e seja considerado muito rico, por um devedor golpista, o Estado está nessa para marchar. Paga a conta, o Estado vai ligar para o devedor na espera de recuperar parte do que investiu e encontrará o celular desligado.

Ou receberá a resposta padrão: ainda não chegou, está em reunião, já saiu. O Estado é o otário do neoliberalismo. A lógica é simples: quando os lucros estão entrando, o Estado deve ser mínimo e não achacar a livre iniciativa com seus impostos obscenos.

Quando a falência bate na porta da bodega, o Estado deve abrir o caixa dos impostos para salvar o caviar da turma dos camarotes. Aí Bush está pronto a visitar o G-20, formado pela terceira classe das nações, para tentar vender-lhe alguns papéis podres.

O mais impressionante é não se encontrar em lugar algum os números do risco-Estados Unidos. Lembram-se do risco-Brasil e do risco-Argentina? Aquilo não parava de crescer. Quem fabricava aqueles números eram instituições como essas que quebraram por má administração. A quantas andará o risco-EUA? Imagino que já tenha passado dos 50 mil pontos.

Se eu fosse presidente de um país, ajudaria a tirar os Estados Unidos do buraco. Só para depois jogar-lhes isso na cara. Pura vingança. Enquanto isso, o Brasil segue impávido em meio à crise. Só a mídia conservadora, com a revista Veja no comando, não explode em aplausos.

juremir@correiodopovo.com.br

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