sexta-feira, 31 de outubro de 2008



31 de outubro de 2008
N° 15775 - DAVID COIMBRA


Abaixo Machado de Assis!

Por Deus que o imeil que vou reproduzir abaixo é verdadeiro. Recebi-o dias atrás. É de uma aluna de um colégio particular de Porto Alegre. Ó:

“Olá. Estudo na oitava série. Tenho que fazer um trabalho de português sobre a presença da intertextualidade nos gêneros textuais e um deles são as crônicas. Gostaria de saber se você sabe de alguma crônica que tenhas feito com a presença da intertextualidade (polifonia) que possas me mandar. Desde já agradeço.”

Terminei de ler o imeil e fiquei parado, fitando o vazio. Assim permaneci por, sei lá, três, cinco, 10 minutos. Reli o imeil. “Presença da intertextualidade nos gêneros textuais”. E agora?

O que responderia para a pequena aluna em apuros com suas tarefas escolares? Doloroso dilema. Porque, na verdade, o burrão aqui não sabe o que é intertextualidade, quanto mais identificar sua presença nos gêneros textuais, seja lá o que forem eles.

Pior: a menina que me perguntou sobre intertextualidade e polifonia e tudo mais, ela está na oitava série. Quantos anos tem um aluno de oitava série? Quatorze? E já está lidando com a intertextualidade... Quer dizer: sou, realmente, um imbecil.

O problema é que suspeito existirem vários imbecis parecidos comigo. Gente pouco interessada na intertextualidade. Cultivo inclusive a desconfiança de que conhecer os meandros da intertextualidade talvez não seja exatamente útil para a imensa maioria das pessoas, mesmo aquelas que, como eu, ganham a vida escrevendo. Então, alguém aí me diga: por que uma aluna da oitava série está estudando esse troço???

Eis uma reflexão pertinente para um dia como hoje, de abertura da Feira do Livro. A leitura é o alicerce da Educação, todo mundo sabe disso. E todo mundo também sabe que o Brasil é um país que não lê. No Brasil, um livro que vende 2 mil exemplares é best-seller, e o número de todas as livrarias do país não ultrapassa o da cidade de Buenos Aires.

Vivemos numa nação em que grande parte dos habitantes não sabe interpretar o sentido de uma frase direta, sujeito, verbo, complemento.

Por que isso? Por causa da intertextualidade. Como podem falar de intertextualidade com alunos de oitava série? Ou de transitivo direto? Por favor! A estrutura do ensino no Brasil é formulada para que os jovens sintam nojo da palavra escrita.

Gramática, cruzcredo. O ensino da gramática devia ser vetado pelo menos até os últimos anos do segundo grau. Uma vírgula ou um acentinho, volta e meia, tudo bem, mas não me venham com pronomes oblíquos.

Dêem livros aos alunos. Que eles leiam o tempo todo. Leiam e interpretem, leiam e escrevam. E que os professores corrijam os textos e expliquem por que os corrigiram. Livros! Mas também não me venham com autores que escrevem destarte e outrossim.

Não estou falando dos piores do século 19, como o tal Joaquim Manuel de Macedo e sua insuportável Moreninha; estou falando do melhor: Machado de Assis.

Não empurrem Machado de Assis para menores de 16 anos, por favor. Se não quiserem lhes dar um Verissimo, que seja o Harry Potter, que seja O Código da Vinci. Não deixem as crianças ficar com raiva de livro!

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