segunda-feira, 27 de outubro de 2008



BONS DE AUTODIFAMAÇÃO

A França, ao contrário do Brasil, é um país bom de polêmica cultural. Aqui, com uma literatura que vai do mediano ao medíocre, de Luis Fernando Verissimo a Paulo Coelho, passando por uma nova geração anódina, não há espaço para provocações.

Somos a nação da bajulação e das celebridades. Não suportamos críticas nem iconoclastas.

Os cadernos culturais são rasteiros. Os críticos literários e os resenhistas são meros assessores de imprensa de grandes editoras e de autores consagrados por livros mornos.

O último verdadeiro escritor no Brasil foi Jorge Amado. A nova geração é patética. Alguns, por gostarem de beber cerveja, são influenciados por Charles Bukowsky. É cerveja requentada. Parece xixi. Os demais fazem textos de adolescentes como rituais de passagem.

'Inimigos públicos', o livro feito a partir de uma troca de e-mails entre Michel Houellebecq e Bernard-Henri Lévy, mostra a importância da maldição num espaço menos deslumbrado e mais contundente. Michel Houellebecq cutucou: 'Caro Bernard-Henri Lévy: tudo, como se diz, nos separa, com exceção de um ponto fundamental: somos, eu e o senhor, indivíduos bastante desprezíveis.

Especialista em golpes fracassados e em farsas grotescas na mídia, o senhor desonra até as camisas brancas que usa. Íntimo dos poderosos, banhando-se desde a infância em uma riqueza obscena, o senhor é emblemático do que certas revistas de nível um pouco baixo, como Marianne, continuam chamando de ‘esquerda-caviar’ [...]

Filósofo sem pensamento, mas não sem relações, o senhor é também o autor do filme mais ridículo da história do cinema. Niilista, reacionário, cínico, racista e misógino vergonhoso, seria para mim ainda uma grande honra classificar-me na pouco atraente família dos anarquistas de direita;

fundamentalmente, não passo de um francês médio e comum. Autor insosso, sem estilo, só ascendi à notoriedade literária depois de uma inacreditável falta de gosto cometida, há alguns anos, por críticos desorientados'. Que bela auto-ironia.

Em 27 de janeiro de 2008, BHL respondeu com três pistas possíveis para um debate: 'Meu caro Michel Houellebecq. Pista número 1. Bravo. Está tudo aí. Sua mediocridade. Minha nulidade. Esse nada sonoro que ocupa o lugar de nossos pensamentos. Esse gosto que temos pela comédia, quando não pela impostura.

Há 30 anos me pergunto como um sujeito como eu conseguiu, e consegue, iludir. Trinta anos que, cansado de esperar o bom leitor que saberá me desmascarar, eu multiplico as autocríticas vãs, sem talento, inofensivas. E aí estamos. Graças ao senhor, com sua ajuda, talvez eu consiga.

Sua vaidade e a minha. Minha imoralidade e a sua [...] Pista número 2: o senhor, está bem. Mas por que eu? Por que eu entraria, afinal, nesse exercício de autodifamação?

E por que o acompanharia nesse gosto que o senhor manifesta pela autodestruição fulminante, amaldiçoante, mortificada? Eu não gosto do niilismo. Detesto o ressentimento e a melancolia que o acompanha.

E penso que a literatura só serve para contrariar esse depressionismo que é, mais que nunca, a palavra-chave de nossa época'. Lindo golpe.

Eu, autor rastaquera, desprezado pela crítica, ignorado pela mídia, desconhecido dos leitores, identifico-me com esse jogo. A autodifamação é o que sobra para os sem estilo, para os excluídos da filosofia, da literatura e da crônica de auto-ajuda e, especialmente, para os franco-atiradores niilistas.

juremir@correiodopovo.com.br

Ainda que a semana não esteja primaveril como deveria de ser que tenhamos todos uma ótima semana.

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