terça-feira, 21 de outubro de 2008



21 de outubro de 2008
N° 15765 - CLÁUDIO MORENO


O centro do universo

Se perguntássemos a um grego onde ficava o umbigo do mundo, a resposta natural seria em Delfos, perto do Monte Parnaso, sede do famoso oráculo de Apolo.

Para determinar este ponto central, Zeus um dia ordenou que duas de suas águias imperiais levantassem vôo de pontos opostos do mundo – uma do extremo leste, a outra do extremo oeste –, e a trajetória das aves tinha se cruzado, como era de esperar, bem sobre o território da Grécia.

Os chineses, no entanto, que estavam longe dali e não conheciam os deuses do Olimpo, juravam que o centro do mundo ficava na China, que eles mesmos denominavam, sugestivamente, de “Império do Meio” – em torno do qual se distribuíam os outros povos conhecidos, todos eles bárbaros e inferiores.

Assim, enquanto perdurou a concepção de que a Terra era chata e redonda como um disco, todos os povos, de todas as latitudes, reivindicaram o privilégio de ocupar o centro.

Quando ficou demonstrado que nosso planeta tem a forma de uma esfera, a simples aplicação da geometria acabou com essas ilusões de superioridade.

No entanto, à semelhança daqueles deuses da Índia que descem à Terra nos mais variados feitios, a estultice humana é imortal e tem muitas faces: o umbigo do mundo, hoje, é o próprio indivíduo, personagem quase mitológico que passou a ser cultuado como uma resposta possível à atual (e passageira, como todas as outras) crise de valores e de projetos políticos.

Mimado em toda parte, ele agora age como se fosse o centro do universo.

Todas as teorias relativistas estão aí para mostrar que só ele conta; o que é boa literatura, boa música ou boa poesia, o que deve ser ensinado na escola, o que é certo ou errado na conduta de um político – tudo fica reduzido, em sua homenagem, a uma questão de simples opinião.

Num mundo desses, cada um se enxerga como o ator principal, obrigado a coabitar com uma multidão de figurantes – eles também persuadidos de que são os verdadeiros donos da verdade.

Como acredito que a melhor vacina para esse tipo de auto-engano sempre será o humor, recomendo, para aqueles que assim se iludem, o discurso orgulhoso do pato, o qual, segundo Montaigne, também tem todo o direito de se proclamar o centro da criação:

“Tudo isso foi feito para mim; a terra me serve para andar, o sol para me iluminar, as estrelas para orientar meu destino; o vento me é confortável, assim como também são as águas.

Não existe ninguém que os céus favoreçam mais: eu sou o eleito da natureza”. Leiam-no todos os dias – mas façam-no diante do espelho.

Nenhum comentário: