terça-feira, 21 de outubro de 2008



COMO SE FAZ UMA BIOGRAFIA

Um colunista deve ter obsessões, inimigos, mesmo que eles não saibam disso, e implicâncias. Cada um é responsável pelas antas que cativa ou elege.

Uma das minhas antas prediletas é Paulo Coelho, o homem que discursou na abertura da Feira do Livro de Frankfurt na última terça-feira.

Outra é Fernando Moraes, o escriba que aceitou fazer o serviço sujo de legitimação do besteirol do mago em troca de mais fama e dinheiro. Uma biografia se inventa, disse o genial escritor francês Céline, que era tão bom romancista quanto era mau caráter e nazista.

Para validar a obra de Coelho, Moraes recorreu mais às declarações do biografado e um pouco a falas de outros em contextos que mereceriam checagem. Umberto Eco, num chá literário, em Davos: 'Meu livro favorito de Paulo Coelho é ‘Veronika’. Tocou-me profundamente.

Confesso que não gosto muito de ‘O Alquimista’, porque temos pontos de vista filosóficos diferentes. Paulo escreve para crentes, eu escrevo para pessoas que não crêem'. Hummm...

Perguntei a Eco o que pensava de Paulo Coelho. Ele foi direto.

Disse que havia encontrado Paulo Coelho em Davos e, questionado, havia respondido por gentileza que o brasileiro não era mau escritor, tendo mesmo lido algumas páginas da sua obra. Moraes apresenta o depoimento de Eco como 'capaz de fazer tremer as bases da crítica e da academia'.

Não fez a lição de casa do biógrafo e não foi entrevistar Umberto Eco para aprofundar o que o italiano pensa a respeito do seu cliente, quer dizer, do seu biografado. Nada anormal para um biógrafo que apresentou os pensamentos de Chateaubriand em coma em outro livro. A fonte só pode ter sido Chico Xavier.

Checar dá trabalho demais. Nem sequer alguns brasileiros ao alcance da mão ou da linha Fernando Moraes se deu o trabalho de contatar. Tinha pressa.

O jornalista Bolívar Torres Filho, do Jornal do Brasil, precisou completar a tarefa do biógrafo. Foi conversar com o ex-ministro Celso Lafer, acusado por Moraes (página 563) de ter feito campanha contra a eleição de Coelho para a Academia Brasileira de Letras e em favor de Hélio Jaguaribe, 'oferecendo em troca viagens, convites e medalhas'.

Tomou um processo por causa disso. Deve estar feliz. Processo ajuda a vender livros. O lobby de Lafer não pode ter sido muito útil, pois não era 'imortal' na época.

De resto, Moraes cometeu um erro primário afirmando que Lafer foi depois eleito para a ABL na vaga de Alberto Venâncio (página 565). Como Venâncio ainda não se decidira a liberar a vaga, mantendo-se vivo por teimosia, Lafer teve de entrar mesmo no lugar de Miguel Reale.

Visto que Moraes dispensa acessar certas fontes, atribuiu um atestado de óbito indevido. Nas impressões mais recentes de 'O Mago', embora não apareça o número da edição, essa informação já foi discretamente corrigida.

Eco não leu Machado de Assis, mas folheou Paulo Coelho. Harold Bloom, o fazedor de cânones, não havia colocado Machado de Assis na sua primeira lista dos maiores escritores do mundo.

Fez isso nas edições seguintes, quando percebeu a importância de ficar bem com o mercado brasileiro, onde faz muito sucesso, embora na inculta Europa permaneça um desconhecido.

Todos os argumentos são bons, de Machado de Assis a Paulo Coelho, para se consolidar uma biografia. Já para fazer um livro correto é preciso alguns telefonemas a mais. Resta saber, de qualquer maneira, o que levou Celso Lafer à ABL.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite o dia - Uma ótima terça-feira

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