sábado, 18 de outubro de 2008



18 de outubro de 2008
N° 15762 - CLÁUDIA LAITANO


Vergonha alheia

Domingo, dia 12, Rio de Janeiro – Copacabana amanheceu ensolarada e colorida.

Um arco-íris estendido no chão servia de passarela para o desfile de tipos exóticos e de gente comum que tomou conta da Avenida Atlântica ao longo do dia.

A 13ª Parada do Orgulho Gay do Rio, realizada no último fim de semana, registrou o sucesso de público e de imagens de sempre: o desfile pode não ser o maior do mundo, mas é o que tem o cenário mais bonito e as fantasias mais criativas – ou o Carnaval não seria o principal produto de exportação da cidade.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, participou da festa, subiu no carro de som e fez discursos de apoio à aprovação do Projeto de Lei 122/06, que tramita no Senado e propõe a criminalização da homofobia – e é a grande bandeira da Parada Gay desde o ano passado: “A opção sexual é um direito de cada um, e o Estado não tem nada com isso. O Estado tem que garantir o direito”.

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também estava lá e vestiu sua camisa mais colorida para subir ao palanque improvisado e defender o reconhecimento dos direitos de parceiros do mesmo sexo. Em 2007, Sérgio Cabral havia sido o primeiro governador a participar oficialmente da festa. Este ano, além dele, havia dois ministros.

Segunda-feira, dia 13, São Paulo – A campanha pela Prefeitura de São Paulo produz uma polêmica em escala nacional. No domingo, a propaganda eleitoral da candidata Marta Suplicy insinuou, sem muita sutileza, que havia um mistério na vida pessoal do candidato à reeleição Gilberto Kassab: “Você sabe mesmo quem é o Kassab? Sabe de onde ele veio? Qual a história do seu partido? Sabe se ele é casado? Tem filhos?”.

Levando-se em conta que Marta Suplicy construiu boa parte de sua vida pública apoiada na imagem de quem defendia os direitos da mulher e lutava contra a discriminação dos gays, não era apenas uma baixaria entre adversários políticos – era a negação de uma biografia.

A reação contra a campanha foi imediata e, de certa forma, surpreendente. Um finlandês que tivesse acompanhado os grandes jornais brasileiros ao longo desta semana talvez concluísse que vivemos em um país em que o respeito à orientação sexual alheia é um dogma inquestionável.

Talvez não seja bem assim – ainda. Mas a enorme repercussão negativa do episódio talvez aponte para o surgimento, no Brasil, de uma certa tendência de intolerância à intolerância.

Infelizmente, “tendências” não resolvem os problemas do dia-a-dia. É preciso que o país das idéias liberais e das reações inflamadas contra o preconceito finalmente encontre o país das leis para que heteros e homossexuais tenham os mesmos direitos assegurados.

Terça-feira, dia 14, Porto Alegre – Fico sabendo, por meio de uma reportagem em Zero Hora, da existência de uma bizarra polêmica em torno da presença de homossexuais em CTGs.

É difícil escolher o que é mais risível nessa história, se a preocupação com os rituais de uma dança de salão ou o verniz de sensatez que cerca opiniões preconceituosas que invariavelmente começam com “eu não tenho preconceito, mas...”.

Em qualquer outro momento, esta seria apenas mais uma polêmica bizarra surgida nessa cápsula de nostalgia cercada de vida real por todos os lados com a qual nos toca conviver aqui neste cantinho meridional do Brasil.

Mas, nesta semana em particular, o contraste com a metrópole foi inevitável – e me bateu um profundo, e doloroso, constrangimento.

Nenhum comentário: