sábado, 18 de outubro de 2008



18 de outubro de 2008
N° 15762 - PAULO SANT’ANA


Que caso comovente!

“Sant’Ana, bom dia! Esses tempos eu te escrevi e tu, gentilmente, respondeste.

Pois essa amabilidade somada às crônicas sobre a situação dos presídios e do pai desejoso de ‘salvar’ o filho supostamente homossexual tornou a motivar-me!

Como tu costumas escrever sobre temas polêmicos e te atreves, nesse mundo do ‘politicamente correto’, a defender racionalmente os teus posicionamentos, pensei em te sugerir um tema relevante e pertinente: inclusão.

Sou deficiente física e não digiro esse discurso da inclusão. É o que eu chamo de falácia da inclusão.

É um assunto sério, complexo, e que costuma ser tratado da pior forma possível: pelo ponto de vista de quem ‘inclui’, não dos ‘incluídos’.

E aí começa o problema: quando os incluídos disseram aos incluidores que desejavam ou necessitavam serem incluídos?

Como uma pessoa não deficiente pode decidir sobre a inclusão do deficiente?

Isso é consciência ou benevolência?!”.

O processo todo é excludente, Sant’Ana!!! O pensamento de inclusão nasceu excludente.

Eu cresci numa época em que criança deficiente não saía na rua. Nunca me disseram que eu era deficiente. Claro que minha deficiência não era acentuada fisicamente, eu ‘apenas’ mancava, mas numa menina tu sabes o que isso significa para a auto-estima.

Assim, de uma infância normal, passei para uma adolescência infernal quando ‘descobri’ que era ‘diferente’, pois deficiente.

Adulta, comecei a ouvir esse blábláblá patético de ‘o deficiente precisa... o deficiente pode... merece...’.

É simples: acessibilidade NÃO É inclusão. E vice-versa.

A situação é tão ridícula que hoje, em Porto Alegre, é mais fácil ser cadeirante do que muletante!

Ótimo para os cadeirantes, mas se a inclusão é para todos, cadê a minha?

Meu cotidiano é, no mínimo, irritante.

Eu admiro os cegos que andam nessas ruas esburacadas, sujas, escorregadias: entre pessoas mal-educadas e grosseiras. Que perseverança, que coragem, que audácia!

Como deficiente, teoricamente eu teria tratamento diferenciado. Está na legislação. Mas e aí?

Ontem mesmo eu lia o Manual de Atuação do Ministério Público Federal: Inclusão de Pessoas Deficientes.

Descobri coisas interessantes: eu tenho direito a ter todo meu tratamento custeado pelo Estado. Inclusive remédios e próteses.

Mas eu tive que pagar um plano de saúde para me tratar. Pois consulta especializada em ortopedia demora de 1 a 2 anos pelo SUS.

Eu não posso custear meus remédios, mas como minhas receitas são de médicos do plano, a farmácia do SUS não as fornece. Então, eu conto com as amostras grátis fornecidas por meus médicos.

A prótese que o SUS fornece é de baixa qualidade. A que meu médico indicou é importada. O SUS não fornece.

Quando fiz artroplastia de revisão de prótese de quadril (no início de 2008), tive que acionar judicialmente meu plano para que me fornecesse a prótese importada. Ou seja: o plano arcou com a responsabilidade que a lei diz ser do Estado.

Tem mais! Antes de eu fazer a cirurgia, tentei consultar pelo SUS. O pessoal da UBS do Guarujá batalhou e conseguiu uma consulta no Hospital de Clínicas, porque meu caso era emergencial. O HCPA agendou a reconsulta para um ano e meio após a consulta!

E nem vou repetir as atrocidades que o INSS me fez passar, pois como eu ainda não estava rastejando, segundo a avaliação dos ‘peritos’, eu estava apta a trabalhar.

Pois bem. Esse é, resumidamente, o retrato da inclusão na área da saúde (se eu fosse detalhar tudo o que passei, e passo, escreveria uma epopéia). Duvido que seja só eu a questionar esse modelo de inclusão.

Talvez só eu me atreva a esbravejar! Muito obrigada por ler esse híbrido de protesto e desabafo!...Espero que te inspires a falar sobre o assunto.

Um grande abraço e tudo de bom!(ass.) Karin Kreismann Carteri (karinkreismann@yahoo.com.br”.

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