03 de outubro de 2008
N° 15747 - PAULO SANT’ANA
O relincho de Sapucaia
Contaram-me ontem à noite que em Sapucaia do Sul concorre à reeleição um prefeito a quem a oposição acusa de superfaturamento na verba da merenda escolar.
E que os adversários da candidatura do prefeito fizeram erguer um imenso carro alegórico, com um grande cavalo, tipo Cavalo de Tróia, no centro do carro alegórico.
E a oposição fez o cavalo desfilar pela cidade. A buzina do carro alegórico era um estridente relincho. E afixaram no lombo do animal o seu nome: “Merendão”.
Atrás dele ia um pequeno carro alegórico com um petiço como alegoria, com o nome de “Merendinha”.
A escolha do cavalo como alegoria principal do desfile da oposição se deu porque o prefeito é dono de um haras.
A notícia de ontem é de que a Justiça Eleitoral mandou recolher o carro alegórico do Merendão, impedindo a manifestação.
E eu não gostei da decisão. Porque entendo que uma eleição não pode ser carrancuda. E que todo bom humor deve ser permitido numa eleição.
Eu me lembro da Passeata do Bixos, que era um desfile realizado pelos estudantes que passavam no vestibular. O desfile da Passeata dos Bixos, com todos os estudantes fantasiados e com carros alegóricos, percorria o centro de Porto Alegre, com preferência para a Rua da Praia, satirizando os políticos e os governantes.
Era um instante de humor e de paz na política.
A eleição é uma festa cívica. E a alegria não pode ser separada de uma festa. São típicas na manifestação política e conseqüentemente eleitoral a charge, a sátira, a caricatura, entidades do meio sociocultural imunes à responsabilidade penal.
Não é razoável censurar o humorismo. Lembram-se do Cacareco, um rinoceronte criado pela imaginação popular que foi uma dos mais votados em uma eleição em São Paulo?
Eu até avalio que em todos os sábados que antecedessem os domingos de eleição deveria haver uma Parada da Eleição, em que os partidos políticos iriam ironizar os adversários, algo assim como um desfile humorístico de Carnaval em que as agremiações partidárias iriam usar fantasias,
alegorias de todos os tipos, bonecos caracterizando os candidatos, canções com letras bem-humoradas, cartazes com dizeres eleitorais, bandas, enfim um grande debate de idéias na pista da avenida, para gáudio dos espectadores.
E no dia seguinte, então, sim, se efetuariam os atos eleitorais, a votação e a apuração, sérias e solenes como é de bom senso que o sejam.
Por isso é que fiquei triste quando foi proibido o carro alegórico de Sapucaia do Sul, que desfilava agora na campanha eleitoral pela cidade.
Respeitando a decisão de primeira instância da Justiça Eleitoral, no entanto discordo dela. Porque se insere numa atmosfera de sisudez que foi instalada nas eleições, quando nada é permitido, tudo é proibido.
Mas o humor não deveria sê-lo, a alegria e os sons e as cores não podiam ser subtraídos da campanha. É mais um atentado ao prazer que as leis e as normas parecem perseguir nos últimos tempos no Brasil.
Os nossos legisladores parecem desconhecer que as populações de cidadãos têm direito a se divertir, a fumar se quiserem, a beber se o desejarem, a bater papo, a rir, a se encontrar.
E ultimamente um cacho de leis tem vindo lá do Planalto para cercear o contentamento do povo, sujeitando os cidadãos a que se tornem fantoches empedernidos de sobriedade, engessados em comedimentos que os impedem de extravasar a alegria e seus hábitos prazerosos e cordiais, único caminho para enfrentar a tristeza e a depressão.
Não havia mal algum no cavalo alegórico de Sapucaia do Sul. Dele só emanava um supremo bem das criaturas: o humor.
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