sexta-feira, 4 de outubro de 2024


04 de Outubro de 2024
CARPINEJAR

Boa noite, Cid!

Uma lenda do telejornalismo se despediu da existência terrena. Morreu ontem, de insuficiência renal crônica, o jornalista, locutor e apresentador Cid Moreira, aos 97 anos. Recém tinha soprado velas no domingo, em seu exílio público, em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.

Suas últimas aparições se deram cuidando de horta, sem camisa, protegido por um chapéu de palha, afastado definitivamente da pose sisuda de terno e gravata.

Pensávamos que Cid Moreira chegaria aos cem anos. Se ele partiu, espalhando saudade, a sua voz vai reboar por muito tempo. Nenhum cantor exibiu uma assinatura vocal como ele, capaz de ser reconhecido em qualquer lugar somente ao abrir a boca e cumprimentar alguém.

Talvez tenha sido o timbre mais hipnótico que surgiu na televisão até hoje. Seu tom não era aveludado, mas muito mais rouco do que isso: pura lã, retirada ainda quente das ovelhas.

Falava alto mesmo quando sussurrava. Sua locução tinha um peso de relâmpago, tonitruante. Faria sombra a qualquer galã de novela - Tarcísio Meira ou Francisco Cuoco, destaques dos folhetins, virariam coadjuvantes dividindo diálogos com ele. Porém, não era uma voz propriamente sedutora: irradiava uma proteção incomum, uma segurança paternal.

Sua grandeza de tenor da informação alcançou tamanha influência e credibilidade que foi escalado para narrar a Bíblia, dublando Deus entre nós. Sua fisionomia, sua abastada cabeleira grisalha, suas sobrancelhas protuberantes ficaram gravadas na esteira das notícias lidas com rigor e exatidão no Jornal Nacional, o primeiro telejornal transmitido em rede no Brasil.

Apareceu 8 mil vezes na frente do principal noticiário da Rede Globo, de 1969 a 1996, numa fixação de imagem absurda em uma época analógica. Dominou a audiência por quase três décadas de realeza na bancada, ao lado, na maioria das vezes, de Sérgio Chapelin, seu parceiro mais longevo da telinha.

Sua atuação era tão convincente, tão real, tão persuasiva, que os telespectadores retribuíam seu "boa noite", acreditando que ele poderia ouvir de volta e se encontrava fisicamente na sala de estar das famílias brasileiras. Ninguém mais realizou esse milagre, esse ilusionismo. Nem o Mister M, que tornou Cid ainda mais conhecido, já que emprestou o seu vozeirão, cheio de suspense e mistério, para anunciar o famoso quadro do mágico no Fantástico.

Natural de Taubaté, no Vale do Paraíba (SP), Cid Moreira começou a carreira fazendo comerciais em programas como Além da Imaginação e Noite de Gala, na TV Rio. Sua estreia como locutor de noticiários aconteceu em 1963, no Jornal de Vanguarda. Nos anos seguintes, trabalhou na Tupi, Excelsior e Continental, consolidando sua desenvoltura à frente das câmeras.

Enquanto conquistava a unanimidade dos nossos ouvidos, sua vida pessoal se mostrou controversa e polêmica. Foi casado por quatro oportunidades, e seus filhos entraram na Justiça pedindo indenização, sob alegação de abandono afetivo.

Agora os herdeiros e a viúva devem disputar judicialmente a fortuna de R$ 40 milhões, mas sua voz não deixa sucessor. Boa noite, Cid! Durma em paz. 

CARPINEJAR

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