Das Vantagens de
Ser Bobo
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo
para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se
mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde:
“Estou fazendo. Estou pensando.”
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque
os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem
originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os
espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias
que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas
humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter
tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo,
confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de
segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se
mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo
sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que
o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia
comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não
desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite
com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não
percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem:
pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo
não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar
todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que
se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é
difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos
ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os
bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam
que eles sabem.
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice Lispector, do livro “A descoberta do
mundo” –crônicas - Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
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