COM A PALAVRA
"Quando você tem filhos, não tem que abrir mão dos seus desejos"
Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, é educador parental, pesquisador e autor de 20 livros sobre parentalidade, infância e adolescência
Palestrante que abriu, na quarta-feira, a sexta edição da Escola de Pais, realizada pelo Instituto Ling, em Porto Alegre, o educador parental Renato Caminha conversou com ZH sobre como manter a saúde mental durante o processo de educação dos filhos.
Yasmim Girardi
O seu livro Mitos da Parentalidade: Livrando os Pais da Culpa Infundada fala sobre como livrar os pais do sentimento de culpa. De onde vem esse sentimento e por que ele é um problema?
Porque a sociedade, principalmente para as mulheres, coloca o mito da disponibilidade permanente. No momento em que você tem um filho, você tem que estar disponível para ele o tempo inteiro. Isso contraria a história filogenética da nossa espécie. O bebê humano não foi um ser desenhado pela natureza para ser criado única e exclusivamente por uma pessoa. E a mulher entra em um processo de autossacrifício.
A sociedade diz que a gente tem de ter dedicação máxima para o filho, tem de ter entrega máxima para o filho, e o que a gente sabe é que, quanto mais tempo a gente passa cuidando de alguém, a qualidade do cuidado cai. Você começa a desenvolver um processo que se chama exaustão do eu, uma tendência à negligência moderada e desatenção seletiva.
Em momento algum, quando você tem filhos, tem que abrir mãos dos seus desejos, das suas necessidades, da sua individualidade. Tem estudos mostrando que, quando a gente dilui esse processo no cuidado, que a gente chama de círculo da parentalidade, essas crianças têm mais plasticidade emocional e se desenvolvem com maiores habilidades sociais.
? A parentalidade é um nicho forte nas redes sociais, onde pais compartilham a rotina e dicas para a criação dos filhos. Esse contato abre margem para sentimentos de insuficiência e comparação?
Isso demonstra, por um lado, que os pais estão se sentindo insuficientes e estão buscando ajuda, o que é muito bom. Só que você pega influencers de parentalidade, que têm mais de 1 milhão de seguidores, e vê que eles dizem coisas que são muito temerárias, dão fórmulas prontas e, às vezes, banalizam algumas coisas. Por exemplo, "se o seu filho está fazendo birra e não quer tomar banho, diga para ele ir ao banheiro brincar com água". Isso tudo é muito lindo, mas se você vai experimentar essa fórmula quando chega em casa extremamente estressado, com problema conjugal, com problema de dinheiro e em um péssimo dia, você não vai conseguir. Isso vai reforçar em você o quê? Que você é incapaz.
? Quais são as estratégias práticas para que os pais lidem com essa culpa?
O que a gente precisa ter é cada vez mais um movimento de parentalidade consciente. Eu gosto de fazer uma analogia: sabe o que a nutrição fez com a gente? A nutrição foi divulgando informação e hoje nós temos uma grande consciência alimentar. A gente sabe o que faz mal, o que faz bem.
A infância foi revelada lá nos séculos 18 e 19. Desde lá, a infância evoluiu barbaramente. E as pessoas não sabem disso quando vão ter um filho. Elas não se preparam. Por exemplo, crianças aos dois anos de idade entram numa fase chamada adolescência de infância. Elas começam a fazer birras. Quando os pais não sabem que isso vai acontecer, as crianças começam a fazer birras e os pais começam a pensar: "onde é que eu estou falhando? Por que essa criança está mal educada? Eu dou todo o amor do mundo e ela reage comigo de modo agressivo."
Isso é absolutamente normal e, pior, ou melhor, é saudável. E como é que as pessoas não sabem disso? Então, para reverter a culpa, e para ter uma parentalidade mais consciente e mais inspiradora de resiliência e saúde mental para todo mundo, a gente precisa conhecer isso.
Um dos tópicos do livro que chama atenção é sobre o amor incondicional entre pais e filhos. Como os pais podem encontrar um equilíbrio saudável entre estabelecer limites e expressar amor?
Primeiro, que limite é amor. E, se você não der limite, você vai criar um monstro. Então, o amor é uma emoção que não tolera tudo. O amor é uma emoção importante e saudável, mas o amor coloca limite. Eu tenho trabalhado muito a desconstrução de dois mitos: o mito do instinto materno, que é o que escraviza muitas mulheres, e o mito do amor incondicional. Não existe amor incondicional. Incondicional é aquilo que não impõe nenhum tipo de restrição, nenhum tipo de limite. Não tem quem não impõe alguma restrição ou limite para os seus filhos. Porque, se isso, porventura, tivesse de acontecer, você ia ter um amor sem nenhuma capacidade de empatia e sem nenhuma condição de interação social no futuro.
O Renato Caminha pai de dois filhos é diferente do Renato Caminha especialista em educação parental?
Eu cometi grandes equívocos com o primeiro que não cometi com o segundo. A parentalidade é um processo de aprendizagem. E pode até soar meio narcisista o que vou dizer, mas eu gostaria de ter conhecido um Renato Caminha quando eu tive filho, porque acho que ia ajudar muito o meu percurso. A gente aprende muito com o processo intuitivo do acerto e erro, e eu acho que isso não é legal. A vida como pai não é aquilo que ensinam para a gente, a gente não tem acesso a esse conhecimento. Então, hoje, eu sou um pai mais pleno. Longe da perfeição, cometo um monte de erros, e vou cometer muitos erros ainda.
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