segunda-feira, 28 de outubro de 2024


28 de Outubro de 2024
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais - Nivalde de Castro -Professor e coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

"Quando benefício vira privilégio, é uma bolha que pode explodir no setor elétrico"

No país que assistiu a um ministro ameaçar de intervenção a distribuidora Enel, de São Paulo, e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mais graves do que essas "distrações conjunturais" são os problemas estruturais, sustenta Nivalde de Castro, especialista em energia. Ele fala em "espiral da morte" e "espiral do suícídio".

? Há uma crise regulatória, um sintoma da "espiral da morte" ou ambos?

São duas coisas diferentes. A espiral da morte, conceito do Gesel, está associado ao crescimento de geração distribuída (GD). Foi dado subsídio em 2012 para quem instalasse, era uma indústria nascente. Quem tem teto e dinheiro pagaria só parte do uso da rede de distribuição. À medida que cresceu, a distribuidora teve de investir. Quem se beneficia da geração distribuída paga menos do que deveria, e o custo é repassado aos outros, muitos sem teto e sem dinheiro. Essa é a espiral da morte. Na revisão tarifária, ocorre aumento, porque foram feitos investimentos para comportar mais geração distribuída.

? Como se configurou?

A partir de 2003, houve reforma para superar o apagão de 2001, com falta de oferta de geração e transmissão. As estimativas de demanda eram agregadas no ministério (de Minas e Energia). Para atender, eram feitos leilões de energia nova, que se tornaram competitivos por gerar contrato com segurança jurídica. O mesmo na transmissão: o mercado era avaliado e, para atender, eram feitos leilões por lotes. Como a inadimplência é zero, porque o custo da transmissão é rateado por todos os consumidores, o risco é zero. São investimentos e contratos seguros.

? Isso já não funciona bem?

Fontes eólica e solar pagam metade das tarifas de transmissão e de distribuição quando o investimento é para o mercado livre. E na GD, o consumidor deixa de pagar parte da tarifa de distribuição. Isso encolheu o mercado da distribuidora e agora a estimativa de crescimento de demanda é negativa. Não se faz mais leilão de energia nova, que dá contrato de 30 anos. Entram no lugar contratos bilaterais incentivados por subsídio.

? É efeito do subsídio?

Quando o custo da tecnologia baixa, o que era benefício vira privilégio, é uma bolha que pode explodir no setor elétrico. Em 2023, os subsídios representaram 13,5% da tarifa média no Brasil no mercado cativo. E vai crescer. Se a tarifa sobe, há estímulo para buscar mais subsídio. A oferta sobe independente da demanda, porque a busca pelo privilégio se dá sem planejamento. Em alguns momentos, há mais oferta do que demanda e o ONS (Operador Nacional do Sistema) tem de cortar a geração. O gerador vende menos, mas tem de pagar financiamento com base na receita prevista. É a espiral do suicídio.

É hora de mudar regras?

Já passou da hora da modernização do setor elétrico. Tem vários projetos de lei, mas não avançam porque o governo, a começar pelo Ministério de Minas e Energia, perdeu o protagonismo da política energética. Agora, quem faz é o Congresso. Como mudar em um Congresso que quer criar jabutis, que manteve o subsídio para usinas a carvão até 2050? Tem custo, repassado ao sistema, criando privilégios. Essa conta não vai fechar. Espero estar errado, espero que o governo acorde, porque caminhamos para uma crise financeira de judicialização.

Em casos como a Enel deve haver perda de concessão?

No final dos anos 1990, foi criada a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e foi feito um contrato padrão. Não havia necessidade de resiliência de rede para vento de 100 km/h. Só o cálculo, a cada quatro anos, do número (FEC) e duração (DEC) das interrupções. Está previsto que esses dados têm de cair para melhorar a qualidade do atendimento. E vêm diminuindo. Então, se pegar os índices DEC e FEC da Enel, está normal.

Não há justificativa técnica para perda da concessão?

Como são resultado de eventos climáticos extremos, não pode usar o ponto fora da curva para medir. Não pode quebrar um contrato de bilhões de investimento, que ainda não foi amortizado, por causa de um evento climático extremo.

O ministro de Minas e Energia chegou a falar em intervenção na Enel e na Aneel. É tentativa de interferência?

O ministro não tem essa autoridade, está se colocando como delegado de polícia no inquérito. É um erro grave, porque a Aneel é uma agência de Estado, não do governo. Seus diretores são homologados pelo Congresso e só podem ser demitidos em caso de roubo. O ministro presta um desserviço, porque se trata de setor de capital intensivo, de longo prazo de maturação. O pior que pode haver é incerteza. É uma preocupação, porque talvez queira repetir o que fez na Petrobras. Em uma entrevista, o ministro demitiu o presidente da Petrobras. _

GPS DA ECONOMIA

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