A freira colorada e a freguesia do Grêmio
Quem é colorado vive mais. O manto vermelho garante a longevidade. A pessoa mais velha do Brasil e da América Latina, e segunda mais velha do mundo, é torcedora fanática do Internacional: a freira Inah Canabarro Lucas, natural de São Francisco de Assis. Por quatro dias, ela não é a mais idosa do planeta, perdendo apenas para a japonesa Tomiko Itooka.
Ela nasceu em 27 de maio de 1908, antes mesmo do surgimento do seu clube do coração. A supercentenária brasileira, validada pelo Gerontology Research Group, é sobrinha trineta do general David Canabarro, um dos líderes da Guerra dos Farrapos.
Atuou como professora durante três décadas. Um de seus alunos foi o ex-presidente João Figueiredo, "um guri levado" nas suas palavras.
Fez o noviciado em Montevidéu (Uruguai), na Companhia Santa Teresa de Jesus. Lecionou português, matemática, ciências, história, arte e religião, no Rio de Janeiro, em Itaqui e Livramento. Seus estudantes viraram discípulos. Costumam visitá-la onde mora hoje, na casa da Congregação Irmãs Teresianas no Brasil, e lembram que ela conquistava a admiração da turma a partir de um modelo rígido e disciplinador, moldando os sonhos para a realidade.
Como madre superiora, comandou o Colégio Santa Teresa de Jesus, em Santana do Livramento, onde criou a famosa banda marcial do colégio, com 115 musicistas, orgulho da cidade, reconhecida por suas apresentações no Brasil, Uruguai e Argentina.
De uma família de sete irmãos, ela era muito magrinha, franzina, frágil. Na época, o seu padrinho vaticinou ao seu pai: "Compadre, não me leve a mal, mas essa guriazinha deve ser doente. E se prepare, pois infelizmente acho que não vai durar muito...".
Todos se foram e ela agora esbanja 116 anos. Irmã Inah não é uma simpatizante passiva, mas uma devota do Inter.
Seu sobrinho, Cleber Canabarro, 84 anos, destaca que ela não quer outro presente de aniversário que não seja a camiseta colorada da temporada. Devido à idade, talvez já possua o maior acervo de camisetas no Estado. Seu voto de pobreza não permite ostentar, portanto nunca saberemos.
Ao lado do crucifixo de madeira, carrega sempre bottons comemorativos do Inter no hábito religioso. Acompanha os jogos, fez grande amizade com jogadores, como o saudoso volante Caçapava, e tem como maior prêmio uma maquete do novo Beira-Rio, que toca o amado hino ("Glória do desporto nacional / Ó, Internacional / Que eu vivo a exaltar / Levas a plagas distantes / Feitos relevantes / Vives a brilhar") e acende as luzes brancas dos refletores e as vermelhas das arquibancadas.
Irmã Inah sorri de ponta a ponta de seu rosto resiliente. Após 50 anos, testemunhou novamente o Inter vencendo cem por cento dos Gre-Nais do ano, com a vitória de 1 a 0 no clássico de sábado, que colocou o Grêmio a se preocupar com o Z-4 e o Inter a aspirar ao G-4.
Só ela teve a sorte de ver isso acontecer todas as vezes na história da rivalidade, em calendário com mais de um confronto: em 1916, quando ela tinha nove anos; em 1927, quando ela tinha 20 anos; e em 1974, quando ela tinha 67 anos.
O feito marcou a sua infância, depois a sua juventude, em seguida a sua maturidade e agora alegra a sua infinita velhice. Só ela. Essa freira canonizada pela torcida. Amém.
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