terça-feira, 7 de maio de 2024


07 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

Aquela humanidade na bandeira

É um luto. Não morreu unicamente um ente querido, não morreu unicamente uma pessoa próxima, morreram cidades inteiras num Estado agonizante. Você acorda e não acredita naquilo que lembra. Pensa que foi um pesadelo. Pensa que dá para voltar atrás no tempo. Pensa que se trata de um engano. Pensa que haverá um jeito de cancelar a destruição, de rebobinar a chuva.

Mas é um luto. Um luto cruel, duro, irreversível e real. Você demora a compreender, você demora a aceitar. Você precisa de provas visuais. Caminha pelos escombros e enxerga o rio cheio, casas enlameadas e vazias, um desespero partilhado por cada um que passa pela rua.

E não entende por que o mundo continua como se nada tivesse acontecido. Não entende as rodadas do Brasileirão. Não entende como pode ter havido show da Madonna no Rio de Janeiro, com milhões de pessoas à beira-mar, em Copacabana, sem que ninguém lá mencionasse em nenhum momento a nossa enchente. 

Não entende a demora para mobilizar frota de helicópteros, não entende o país funcionando plenamente, não entende o quanto somos matérias secundárias nas capas dos jornais do Sudeste, não entende charges absurdas e infelizes dizendo para não chorar, senão vai alagar mais, não entende como nossa ausência não faz falta, como nossa falta não faz saudade.

Na bandeira do Rio Grande do Sul existem três palavrinhas: liberdade, igualdade e humanidade.

O que mais queremos é a última delas, a humanidade. Esses gaúchos que sofrem são brasileiros sofrendo. Nem melhores, nem piores: brasileiros em situação de completa indigência e desamparo. Somos 11,4 milhões de brasileiros, 5,3% da população total.

Por que parece que não estávamos no Brasil no último fim de semana?

As cheias, que afetaram 345 dos nossos 497 municípios, resultarão, infelizmente, ao longo do resgate nos próximos meses, na maior tragédia ambiental da nação, acima do desastre de Brumadinho em 2019 (270 vítimas) e da enchente no Rio de Janeiro em 1966 (250 vítimas). A previsão assustadora é de quatro dígitos de óbitos.

Há enterros ocorrendo em 38 municípios: Bento Gonçalves, Boa Vista do Sul, Bom Princípio, Canela, Canoas, Capela de Santana, Capitão, Caxias do Sul, Cruzeiro do Sul, Encantado, Farroupilha, Forquetinha, Gramado, Itaara, Lajeado, Montenegro, Pantano Grande, Paverama, Pinhal Grande, Porto Alegre, Putinga, Roca Sales, Salvador do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, São João do Polêsine, São Leopoldo, São Vendelino, Segredo, Serafina Corrêa, Silveira Martins, Sinimbu, Taquara, Três Coroas, Vale do Sol, Venâncio Aires, Vera Cruz e Veranópolis.

Nesse luto coletivo, não estamos pranteando por alguém, mas por nós mesmos. Pela primeira vez, sentimo-nos mortos diante de todos que vivem fora daqui. E ainda temos que encontrar forças para ressuscitar sozinhos.

CARPINEJAR

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